Jornalista volta seu olhar aguçado para a crônica em livro sobre memórias
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Jornalista volta seu olhar aguçado para a crônica em livro sobre memórias
As memórias da família estão presentes, como os inesquecíveis doces da mãe e as poucas, mas certeiras, palavras do pai
IDN – EDUCAÇÃO & CULTURA
Acostumado a longos papos com Bruno Blecher em uma mesa de restaurante de algum lugar distante, em seminários intermináveis e nem sempre produtivos ou à beira de uma lavoura qualquer, no Brasil ou fora dele, fiquei surpreso com “Cidade de Papelão”.
O leitor que o acompanhou em seus 35 anos de profissão, em veículos como Estadão, Guia Rural da Abril, a revista Globo Rural e esta Folha, não vai encontrar nenhuma referência ao tema em que se especializou. O olhar crítico do jornalista, contudo, continua o mesmo.
No agronegócio, sempre foi defensor dos meios de produção com segurança e combativo ante a destruição desenfreada do meio ambiente. Nas crônicas, não deixa de ver o lado social e os efeitos de desvios de padrões nas economias dos diversos países.
O próprio título do livro, uma referência às tendas de papelão que se espalham pelo centro de São Paulo, já nos leva ao tema das crônicas. Andar pela cidade nos mostra que o tempo passa, mas tudo continua nos mesmos patamares de miséria para parte da população.
O olhar do jornalista não se restringe, no entanto, às dificuldades do Brasil. Vê esses desafios sociais tanto em um trem na Itália como em ruas e calçadas da capital da Argentina.
Mas o livro não é só isso. Sem prejuízo do olhar aguçado sobre os problemas sociais, relata, na maior parte das crônicas, as alegrias e agruras de um viajante em situações divertidas, ora em locais inusitados, como um bar de jazz na Croácia, ora saboreando as noites de Lisboa, ora perambulando pela Bósnia.
Em sua volta ao passado, Bruno revisita as mulheres que marcaram sua adolescência, como Jane Fonda, Catherine Deneuve, Brigitte Bardot, Sophia Loren e Gina Lollobrigida.
Judeu, reflete sobre o preconceito, que, mesmo velado, continua presente, e, com bom humor, lembra que a única coisa que o diferencia dos demais é a circuncisão.
As memórias da família estão presentes, como os inesquecíveis doces da mãe e as poucas, mas certeiras, palavras do pai.
Os dramas do dia a dia -que passam pelos períodos em que esteve desempregado, pela necessidade do aumento da dosagem dos remédios ou pelo barulho ensurdecedor de serras elétricas e de britadeiras em uma metrópole em construção e em reparação- não passam despercebidos pelo autor.
Bruno descobre, ainda, o inevitável para todos nós que passamos dos 60 anos: o espanto da primeira vez que cedem o lugar no ônibus ou no metrô ao senhorzinho. O choque foi grande, mas, apesar de tudo, ele prefere não aceitar a velhice e manter as inseguranças da adolescência.
Atento à preservação cultural e da natureza da caatinga, ele vai buscar até bruxas no sertão. Como diz o jornalista Xico Sá na apresentação, Bruno é um cronista que resgata a delicadeza perdida. Entra nas noites da desvairada Pauliceia e nos leva aos bares cariocas ao lado de Ruy Castro, Vinícius, Jaguar, Tom Jobim e Paulo Francis.
Por tudo isso, “Cidade de Papelão” apresenta um Bruno Blecher diferente daquele que o leitor e eu conhecíamos. Fiquei surpreso, sim -e a surpresa foi grata.
CIDADE DE PAPELÃO
Quando R$ 40 (91 págs.)
Autor Bruno Blecher
Editora 11 Editora
Avaliação Muito Bom
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