Sob pressão da CPI da Covid, Bolsonaro ameaça Supremo
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Sob pressão da CPI da Covid, Bolsonaro ameaça Supremo
O presidente também atacou a China
Sob pressão de depoimentos de dois ex-ministros da Saúde na CPI da Covid, o presidente Jair Bolsonaro disparou nesta quarta-feira (5) ameaças ao STF (Supremo Tribunal Federal) e realizou novos ataques à China, ao sugerir que o coronavírus poderia ter sido criado em laboratório pelos asiáticos.
O presidente fez as declarações em evento promovido pelo ministério das Comunicações, no Palácio do Planalto, no dia em que senadores ouviram o ex-ministro Nelson Teich (Saúde) na CPI.
“Nas ruas já se começa a pedir que o governo baixe um decreto. Se eu baixar um decreto, vai ser cumprido, não será contestado por nenhum tribunal”, declarou Bolsonaro, renovando as ameaças de publicar uma norma para impedir que gestores locais fechem o comércio ou limitem a atividade econômica durante a crise sanitária.
“O que está em jogo e alguns [governadores e prefeitos] ainda ousam por decretos subalternos nos oprimir? O que nós queremos do artigo 5º [da Constituição] de mais importante? Queremos a liberdade de cultos, queremos a liberdade para poder trabalhar, queremos o nosso direito de ir e vir, ninguém pode contestar isso”, declarou o presidente.
Em outro trecho do discurso, ainda em um recado ao STF, Bolsonaro emendou: “Não ouse contestar [o decreto], quem quer que seja. Sei que o Legislativo não contestará”.
Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que, apesar da insistência nesses pontos de retórica, não houve alteração no cenário das leis e da pandemia que permitam a Bolsonaro dar “canetadas” sem aprovação do Congresso ou barrar a autonomia de governadores e prefeitos na condução do combate à Covid que inclusive já foi reconhecida pelo Supremo.
No entanto, eles veem com preocupação o uso frequente desses termos como se fossem equivalentes ao toque de recolher.
Na avaliação de alguns deles, ao banalizar as figuras do estado de sítio e do estado de defesa, apontando que os governadores estariam lançando mão delas, Bolsonaro estaria buscando preparar terreno para legitimar a tomada desse tipo de medida no futuro.
O governo Bolsonaro está acuado pela CPI que investiga as ações do governo federal na pandemia e que é controlada por parlamentares críticos ao presidente.
Nesta quarta, Teich criticou a prescrição de hidroxicloroquina a doentes da Covid e disse que deixou o ministério em 2020 por falta de autonomia e por divergir com Bolsonaro sobre o uso da substância -o mandatário é um entusiasta do medicamento e de outras drogas sem eficácia para o vírus.
Um dia antes, o também ex-titular da Saúde Luiz Henrique Mandetta apontou à CPI que Bolsonaro contrariou orientações do Ministério da Saúde baseadas na ciência para o combate à pandemia.
Os depoimentos de Teich e Mandetta, porém, não levaram o presidente a moderar seu discurso. Pelo contrário, em seu pronunciamento no Planalto nesta quarta, ele chamou de “canalhas” aqueles que são contrários ao chamado tratamento precoce, que é baseado no uso da hidroxicloroquina.
“Canalha é aquele que é contra o tratamento precoce e não apresenta alternativa, esse é um canalha”, afirmou o presidente.
Há meses Bolsonaro se mantém em conflito com o Supremo em relação às medidas tomadas em meio à pandemia. Desde o início da crise, o STF tem imposto derrotas ao presidente, que, em declarações, testa os limites da corte.
Um dos casos recentes ocorreu em abril passado quando o ministro Luís Roberto Barroso mandou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), instalar a CPI. A decisão foi uma derrota para a base aliada de Bolsonaro no Congresso, que vinha tentando barrar a comissão para investigar a condução da pandemia.
Em meio às derrotas, Bolsonaro repete a ameaça de “baixar um decreto” para que a população volte ao trabalho. Recentemente, ele disse que poderia determinar ao Exército que fosse às ruas para garantir o funcionamento de atividades econômicas, mesmo contra normas estaduais e locais.
Ele também já criou a campanha “O Brasil não pode parar”, que foi proibida pelo STF por colocar a população em risco.
O presidente tentou ainda blindar dados da pandemia, mas o Supremo derrubou a medida provisória editada por ele, que restringia a Lei de Acesso à Informação (LAI). Ao mudar a forma de divulgar os números de mortes e de contaminados, o STF foi acionado novamente.
Recentemente, a corte trouxe novas imposições ao governo, e obrigou o Executivo a adotar uma série de medidas para conter o avanço do novo coronavírus em aldeias indígenas. O STF ainda derrubou uma série de vetos de Bolsonaro ao projeto de lei aprovado pelo Congresso que torna obrigatório o uso de máscaras em locais públicos.
No discurso desta quarta, Bolsonaro defendeu um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), citado na véspera por Mandetta como participante de reuniões no Planalto sobre a pandemia.
“São pessoas perseguidas o tempo todo como se tivessem inventado um gabinete do ódio. Não têm do que nos acusar, é o gabinete da liberdade, da seriedade”, disse, mencionando também seu assessor especial Tércio Arnaud, que também atua na estratégia do presidente nas redes sociais.
Nesta quarta, Bolsonaro também investiu contra a China e reeditou ataques contra o maior parceiro comercial do país e um dos principais fornecedores de insumos para imunizantes.
“É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou por algum ser humano [que] ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?”, disse o presidente. “Qual o país que mais cresceu seu PIB [Produto Interno Bruto]? Não vou dizer para vocês.”
A China cresceu 2,3% em 2020, uma das poucas nações a registrar avanço econômico em meio à crise causada pela Covid.
Bolsonaro, ao sugerir que Pequim pode ter fabricado o coronavírus em laboratório, retoma uma retórica anti-China que foi constante em 2020 e que imita em grande parte falas de Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos.
Foi com esse tipo de discurso -também adotado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) com apoio do ex-chanceler Ernesto Araújo- que o Brasil atingiu o ponto mais baixo da relação com os chineses no ano passado.
Num bate-boca nas redes sociais entre Eduardo e o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, por exemplo, Ernesto saiu em defesa do filho do presidente.
O então chanceler chegou a enviar a Pequim um pedido para que o diplomata chinês fosse retirado do Brasil -acabou ignorado. Desde então, interrompeu qualquer interlocução com a missão chinesa em Brasília.
As dificuldades de interlocução com os chineses e a pressão do Congresso culminaram com a saída de Ernesto do governo e sua substituição por Carlos França. Num sinal do prestígio que o ex-chanceler ainda tem junto a Bolsonaro, o presidente elogiou Ernesto em seu discurso nesta quarta.
Os chineses costumam a reagir duramente às acusações de que fabricaram o vírus. Procurada, a Embaixada da China em Brasília ainda não se manifestou.
A hipótese de que a China poderia ter produzido o vírus artificialmente não encontra respaldo numa apuração conduzida pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Ben Embarek, que lidera uma equipe de investigação da organização sobre as origens do coronavírus, já afirmou que a hipótese de que o vírus “vazou” de um laboratório é “extremamente improvável”.
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