Destruída na Belarus, mídia recorre a segredo e exílio para manter noticiário
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Desde agosto de 2020, início dos protestos contra Aleksandr Lukachenko, 140 jornalistas foram detidos, dos quais 29 continuavam presos na última sexta
Proibida pela ditadura e com jornalistas perseguidos e presos, a mídia independente belarussa recorre ao anonimato e ao segredo para manter vivos seus canais, de forma clandestina.
“Nossa Redação está localizada fora da Belarus, e as autoridades policiais não terão acesso às informações que estão a nossa disposição nem poderão rastrear nossas fontes”, afirma o portal Zerkalo.io, lançado em 8 de julho.
O site é o sucessor do principal veículo independente do país, o Tut.by, que em maio foi bloqueado pelo regime de Aleksandr Lukachenko. Vários funcionários foram detidos e 15 continuam presos.
Por questão de segurança, os nomes dos que continuam trabalhando para o Zerkalo não são divulgados, bem como sua localização, conta a ex-repórter do Tut.by Sofia (nome fictício, a pedido dela, que teme represálias). Aos 28 anos, hoje ela está exilada em Berlim.
Sofia ficou detida 15 dias depois de trabalhar na cobertura do julgamento de 12 estudantes universitários, em junho deste ano. “Nesse período, o Tut.by foi destruído, meus colegas foram presos, perdi o trabalho, amigos e agora estou sem meu país.”
Segundo ela, grande parte de seus colegas está hoje na Ucrânia, na Polônia ou na Lituânia. “Desde o ano passado, sabíamos que poderíamos ser bloqueados ou mesmo presos, mas ninguém estava preparado para o que aconteceu: a total destruição da mídia”, afirma a repórter.
Exilados, perseguidos, presos ou disfarçados, os belarussos se consideraram também representados pelo Prêmio Nobel da Paz, que foi concedido no começo deste mês para os jornalistas Dmitri Muratov, da Rússia, e Maria Ressa, das Filipinas.
Oliver Money-Kyrle, chefe da seção europeia do Instituto Internacional de Imprensa (IPI, na sigla em inglês), concorda. Em setembro, a entidade deu à belarussa Yulia Slutskaya, fundadora do Clube de Imprensa da Belarus, o prêmio Herói da Liberdade de Imprensa deste ano, pelos oito meses em que ficou na cadeia em 2020.
“A repressão à mídia belarussa tem um impacto devastador nas vidas de centenas de jornalistas comprometidos com o uso de sua profissão para expor um regime corrupto e falido, que roubou as eleições”, diz ele.
Segundo Sofia, belarussos talvez preferissem um Nobel da Paz para a líder oposicionista Svetlana Tikhanovskaia, apontada como uma das favoritas. “Mas a premiação a jornalistas independentes perseguidos por seu trabalho mostra como informação é crucial para as sociedades”, afirma.
Para Anna Krasulina, responsável pela comunicação de Tikhanovskaia, o comitê do Nobel entendeu que premiar a oposição da Belarus seria intervir na política do país, mas a premiação a Ressa e Muratov “é um encorajamento a todos os jornalistas em luta pela democracia”, o que inclui os belarussos.
“Há duas mensagens: 1) liberdade de imprensa é o valor mais importante na sociedade moderna; 2) há lugares no planeta em que essa liberdade continua sob ataque. Os dois pontos requerem atenção e ação especial.”
Bella Fox, jornalista belarussa exilada na Lituânia, conta que a tensão entre governo e mídia em seu país é crescente: “Agora processos criminais podem ser abertos para quem assina veículos que a ditadura considera extremista ou faz comentários neles. Pessoas são forçadas a se desculpar em público em transmissões estatais de TV. A lista negra está se expandindo”.
Na última sexta (15), segundo canais de mídia social, a página oficial de Svetlana Tikhanovskaia havia sido declarada também extremista. “Eu mesma tive minha foto exposta na TV estatal, com uma frase dita na internet, mas retirada totalmente do contexto.”
A ameaça aos veículos independentes e aos próprios leitores é considerada grave pelo advogado dinamarquês Jacob Mchangama, fundador e diretor do Justitia, centro de estudos de direitos humanos, liberdade de expressão e Estado de Direito.
“Primeiro, o regime belarusso tornou ilegais jornais e TVs independentes, mantendo apenas veículos de propaganda do regime. Agora, ao criminalizar pessoas por apoiar veículos independentes na internet, tirou os últimos canais de informação da sociedade e deu mais um passo para controlar totalmente o fluxo de informação no país”, diz.
Quando foi proibido, o Tut.by tinha em média 1,8 milhão de visitantes únicos por dia e mais de 3,3 milhões por mês, num país de menos de 10 milhões de habitantes.
Três semanas após o bloqueio do site foi a vez do Nasha Niva, o mais antigo jornal belarusso, fundado havia 115 anos. No mesmo dia, a polícia invadiu os escritórios de diversos jornais regionais, revistou a casa de jornalistas e indiciou editores.
Desde agosto de 2020, início dos protestos contra Aleksandr Lukachenko, 140 jornalistas foram detidos, dos quais 29 continuavam presos na última sexta.
“Não há colchões, usávamos pedaços de pão velho como travesseiro e passávamos tanto frio à noite que, mesmo nos abraçando e prendendo uma garrafa de água quente entre as pernas, não parávamos de tremer”, contou Katsiaryna Karpistkaya, jornalista do Nasha Niva, à Associação dos Jornalistas Belarussos (BJA).
Ela ficou um mês detida, sem banho nem escovas de dentes. “É preciso implorar por alguns centímetros de papel higiênico. Passamos fome. Comíamos um líquido com alguns pedaços de batata e cascas, pão mofado e duas meias xícaras de chá”, conta ela.
A repórter diz que, nos piores momentos, havia 20 mulheres em uma cela de 12 metros quadrados. “Todas contraíram o coronavírus, que, como outras doenças, era tratado ali com paracetamol.”
Entre as colegas de cela de Katsiaryna estava uma moradora de Minsk que filmou uma marcha de vizinhos e outra processada por encaminhar ao marido uma mensagem de canal considerado “extremista” pelo governo. “O resultado da repressão é que o público perde acesso a textos com os mínimos padrões profissionais e passará a ler material não verificado nem de acordo com a ética jornalística”, afirma a BJA.
Sofia também vê prejuízos para a qualidade do jornalismo: “Os repórteres não podem ver os fatos, comprovar informações, entrevistar funcionários do governo. E, como o site foi considerado ‘extremista’, fontes independentes agora temem falar, pois podem ser também processadas”.
Para a repórter, porém, o esforço de manter o trabalho sob anonimato ou do exterior é uma questão de honra. “Muitos dos meus colegas estão em condições desumanas neste segundo, neste minuto. Estão em isolamento, sem comida, sem remédio, sem nada. Precisamos prosseguir por eles, porque agora nós somos seus olhos e seus braços.”
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