Projeto de Lira para emendas mantém poder sobre fatia bilionária do Orçamento
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A posição do presidente da Câmara em relação ao novo projeto das emendas deve sofrer contestação dentro do Congresso
Um dia depois de o Supremo Tribunal Federal mandar suspender a execução das polêmicas emendas do relator-geral do Orçamento, o texto de um projeto de resolução elaborado pela Mesa da Câmara com o objetivo de manter o controle sobre as bilionárias verbas começou a circular entre os deputados.
A ideia é que a proposta, capitaneada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e a que a reportagem teve acesso, seja aprovada nas próximas semanas em sessão do Congresso Nacional e sirva como objeto de negociação para que o STF libere a execução das emendas.
Por 8 votos a 2, a corte decidiu na quarta-feira (10) suspender “integral e imediatamente” o pagamento das verbas a deputados e senadores, além de determinar que o Congresso dê “ampla publicidade, em plataforma centralizada de acesso públicos”, a todos os documentos relacionados à distribuição dessas verbas em 2020 e 2021.
Os repasses deverão ser suspensos até que o STF julgue o mérito da ação do PSOL, ainda sem data definida.
A decisão atingiu em cheio o mundo político, abalando um esquema de negociação de verbas públicas que tomou corpo em 2020 e 2021.
Todos os anos deputados e senadores têm o direito de direcionar verbas do Orçamento federal para obras e investimentos em seus redutos eleitorais. Para isso, contam com as chamadas emendas parlamentares individuais (definidas por cada um dos 594 congressistas) e coletivas (de bancadas estaduais, por exemplo). Elas são divididas de forma equânime entre os parlamentares e a execução pelo governo é obrigatória.
A partir do Orçamento de 2020, porém, a cúpula do Congresso começou a colocar em prática uma manobra com o objetivo de manter o seu poder de moeda de troca –se aproveitando da fragilidade política do governo Bolsonaro, que foi obrigado a abrir mão de parte da execução dessa verba.
Essa manobra se materializou por meio do relator-geral do Orçamento: um deputado ou senador que na maior parte dos casos apenas empresta o nome para a divisão da verba, que é decidida, na prática, pela cúpula da Câmara e do Senado.
As emendas de relator deste ano (na rubrica RP9) estão na ordem de R$ 16,8 bilhões e podem ser distribuídas sem qualquer critério, a depender da conveniência política do governo e dos parlamentares que comandam a Câmara e o Senado.
Na prática, essa decisão tem se concentrado, na Câmara, nas mãos de Arthur Lira, aliado de Jair Bolsonaro, que usa os recursos para garantir fidelidade ao seu redor e a projetos do Palácio do Planalto. Isso ocorreu, por exemplo, na aprovação da PEC dos Precatórios, nesta semana.
A transparência na decisão de divisão e na execução dessas emendas é baixíssima e sem padrão. Em alguns casos, é possível saber detalhes por meio de complicadas ferramentas de transparência de ministérios.
O texto que começou a circular entre deputados nesta quinta trata apenas de mudanças na questão da transparência, além de alterar as regras só daqui em diante. Ele não trata das emendas de relator de 2020 e 2021. E não muda em nenhum ponto o atual poder do governo e da cúpula do Congresso de privilegiar determinados deputados em detrimento de outros, nem de patrocinar repasses em períodos de votação de grande interesse do governo.
“Esse texto trata do ponto da decisão do Supremo que fala sobre a necessidade de transparência, mas não resolve outro ponto da decisão da ministra Rosa Weber [autora da liminar confirmada depois pela corte], que é o de impedir que o governo favoreça um parlamentar e prejudique outro na distribuição de emendas”, afirmou o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), vice-presidente da Comissão Mista de Orçamento.
O texto do projeto de resolução mantém o poder do relator-geral do Orçamento de apresentar emendas, deixando claro que ele pode receber “solicitações”, sem especificar de quem, desde que elas sejam publicadas no site da Comissão Mista de Orçamento do Congresso e encaminhadas ao Poder Executivo.
“As indicações somente poderão ser feitas quando compatíveis com o plano plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias, e estiverem de acordo com a política pública a ser atendida”, diz a minuta do projeto de resolução (que visa alterar a resolução do Congresso 1/2006, que trata da Comissão Mista de Orçamento).
“Na fase de execução da lei orçamentária, o projeto que ora apresentamos amplia a transparência do processo de execução dessas emendas, definindo regras claras e objetivas para publicação das indicações a serem realizadas pelo relator-geral, bem como das solicitações de recursos que as tiverem fundamentado” diz a justificativa da proposta.
Lira, que está em viagem a Portugal, confirmou nesta quinta que a Câmara irá apresentar projeto para dar mais transparência às emendas.
Ele defendeu o modelo, afirmando que “em vez de se criticar o que tecnicamente não se conhece, é importante que se dê oportunidade ao Parlamento, que sempre foi aberto, que modifica a vida das pessoas com essas emendas, a chance de explicar e de deixar este debate mais claro, sem politizá-lo como tudo que vem acontecendo”.
Aliado de Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara disse que seria um retrocesso deixar o comando das emendas só com o governo.
“Se houver uma reversão, para o RP2, por exemplo, que volta para o comando do Executivo, aí sim que nem a imprensa, nem os deputados, nem a população saberão da discricionariedade do Poder Executivo. Ele vai dar a quem ele quiser atender, com quanto ele quiser atender, quando quiser atender”, disse.
A posição do presidente da Câmara em relação ao novo projeto das emendas deve sofrer contestação dentro do Congresso.
Vice-presidente da Câmara, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) defende uma proposta diferente. “Acho que o certo mesmo era pegar essas emendas RP9 e distribuir de forma igualitária, assim como as emendas impositivas [individuais e de bancada].”
A senadora Rose de Freitas (MDB-ES), presidente da Comissão de Orçamento, também critica o modelo de manejo orçamentário por meio das emendas de relator.
“Na comissão, não vejo espaço para aceitar essas emendas de relator, considero extinto o RP9”, diz a senadora, que defende a extinção das emendas de relator com o objetivo de distribuir verbas do orçamento entre deputados.
Segundo ela, o Senado irá apresentar sua proposta e, em conjunto com a Câmara, irá definir qual melhor projeto será levado à votação pelo Congresso Nacional. Por ser tema orçamentário, qualquer modificação tem que ter o aval de deputados e senadores, em conjunto.
Nos bastidores, havia a pressão de deputados para que fosse dado um drible na decisão do Supremo. Uma das ideias era apenas mudar a rubrica da emenda de relator (de RP9 para RP2, que são as emendas de comissão e de bancada) e continuar o mesmo modelo.
Há uma avaliação, porém, de que isso liberaria os cerca de R$ 8 bilhões ainda a empenhar (jargão que representa a reserva do Orçamento para o gasto) em 2021, mas deixaria os R$ 9 bilhões já empenhados neste ano em suspenso. Além de representar uma afronta ao STF, com quem se busca ainda um acordo político.
ENTENDA O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES
A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o final de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte. Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares.As emendas parlamentares se dividem em:
Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde
Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido
Emendas do relator-geral do Orçamento: As emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo
CRONOLOGIA
Antes de 2015
A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares
2015
Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:
a) execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior;
b) metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a Saúde
c) contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória
2019
O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas)
Metade desse valor tem que ser destinado a obras
O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento: R$ 30 bilhões
Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral
2021
Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:
Emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões
Emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões
Emendas de comissão permanente: R$ 0
Emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 16,8 bilhões
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