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Brasileiros nascidos no Japão mudam perfil de imigração e vivem limbo de idiomas


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Hoje há 206 mil brasileiros no Japão

Nacionalidade “brasileira”, diz o documento de identificação de Marcela (nome fictício), 19, que trabalha numa fábrica de autopeças no Japão. Ela nasceu na cidade de Okazaki, na província de Aichi -mas, como é filha de brasileiros, aos olhos das autoridades nipônicas não é considerada cidadã japonesa.

Os pais de Marcela migraram na década de 1990, na primeira onda do movimento decasségui, o fluxo de descendentes de japoneses que foram trabalhar –a princípio– temporariamente nas fábricas do arquipélago. A ideia era economizar dinheiro e um dia voltar. Para muitos imigrantes, porém, esse “um dia” nunca chegou. Eles ficaram, formaram famílias e tiveram filhos no país, uma geração que não quer ir embora para o Brasil. “Voltar para quê?”, pergunta Marcela. “Ainda mais na pandemia.”

Hoje há 206 mil brasileiros no Japão, segundo dados mais recentes do Ministério da Justiça. Quase 60% têm visto de residência permanente, o que indica uma tendência de enraizamento.

Radicado há mais de 30 anos no país, o advogado paulista Etsuo Ishikawa presta consultoria para instituições voltadas a brasileiros. Já deu diversas orientações jurídicas a interessados em obter a cidadania japonesa -ocorre ao menos uma consulta por mês sobre o assunto. “Muitas vezes, são jovens que nasceram e cresceram no Japão e nunca pisaram no Brasil. São brasileiros só no papel”, diz ele.

“Há uma geração de nikkeis [descendentes de japoneses] que estão no Japão para ficar, uma mudança ante os primeiros imigrantes. É importante pensar no futuro deles. Um futuro não muito distante.”

Cerca de 43 mil dos brasileiros residentes no Japão são crianças e jovens de até 18 anos. Entre eles, 4.000 estão matriculados em colégios brasileiros, instituições particulares idealizadas para acolher filhos de imigrantes no fim da década de 1990. Até 2008, foram abertas mais de cem escolas brasileiras. Em 2010, o número caiu para 76, entre as quais apenas 47 eram homologadas pelo Ministério da Educação do Brasil, o que possibilita que os estudos realizados no Japão sejam validados no Brasil.

Atualmente, segundo dados da embaixada do Brasil em Tóquio, há 36 escolas homologadas, a maioria delas nas províncias de Aichi e Shizuoka. Elas cumprem um papel importante, diz o cônsul Aldemo Garcia, da representação brasileira em Hamamatsu: com horários diferentes, muitas vezes mais extensos que os das escolas japonesas, são uma alternativa para os pais que passam longas jornadas nas fábricas.

“O problema é que as escolas brasileiras têm, em média, só duas horas [de aula] de japonês por semana.”

O domínio do idioma é considerado o principal entrave para a integração dos imigrantes à sociedade nipônica -e há quem viva até hoje num tipo de “bolha brasileira” no Japão. Entre crianças, dizem especialistas, muitas vezes a falta de compreensão da língua e a inabilidade para se comunicar podem levar a um diagnóstico de autismo ou TDAH (transtorno de déficit de atenção/hiperatividade).”

Estudos indicam que crianças correm o risco de se sentirem “perdidas” nas idas e vindas entre Brasil-Japão, enfrentando dificuldades ao tentar desenvolver o português e o japonês ao mesmo tempo. É o que conta Giulia (nome fictício), 16: nascida no interior de São Paulo, ela viveu dos 3 aos 6 anos no Japão, foi ao Brasil e ficou até os 11, e voltou ao Japão. Hoje, frequenta uma escola brasileira de Aichi.

“Queria aprender japonês, mas até agora não consegui”, diz a estudante paulista, que não vê a hora de começar a fazer “arubaito”, o trabalho temporário que, no geral, não exige educação superior e muitas vezes dispensa a proficiência na língua japonesa.

Sem perspectiva de ingressar em uma universidade, investir em uma qualificação profissional ou empreender, há jovens brasileiros buscando vagas de operários, como fizeram seus pais. “Muitas vezes, o sonho dos pais não é o mesmo dos filhos”, diz a pesquisadora Nilta Dias, do Departamento de Estudos Luso-Brasileiros na Universidade Sophia, em Tóquio. “Pais podem querer que filhos aproveitem a oportunidade que eles não tiveram para estudar e almejar um futuro melhor; já jovens podem preferir ganhar dinheiro na fábrica, pensando no presente imediato”, destaca ela, que pesquisa o tema desde 1999.
Na década de 2000, conta Dias, era raríssimo ver alunos brasileiros na universidade. Hoje, pondera, é mais comum encontrar estudantes estrangeiros no campus -estima-se que cerca de 500 jovens brasileiros, egressos de colégios japoneses ou brasileiros, conseguiram chegar ao ensino superior.

“Sempre digo: cada caso é um caso. Sim, há jovens indo para fábricas; mas há muitos indo para universidades, intercâmbios, cursos técnicos. Que viraram enfermeiros, empreendedores e uma série de profissões. Que são modelos para motivar as novas gerações.”

Consulados e ONGs de brasileiros vêm realizando eventos educacionais e culturais para conscientizar conterrâneos sobre a importância da educação, inclusive o mais básico para quem pretende ficar “para sempre” –ou ao menos por um bom tempo– no país asiático: a alfabetização na língua japonesa.

A ideia dessas iniciativas é fortalecer os laços com o Brasil e, ao mesmo tempo, a integração com o Japão. Natalia Oliveira Takahashi, 24, entende bem o que é viver entre os dois mundos. Ela nasceu em Nishio e, desde pequena, estudou em escola japonesa de manhã e em escola brasileira à tarde. É fluente nos dois idiomas. “Dos 7 aos 12, tive uma professora muito legal, que não ensinava só o português, mas contava como era a cultura além do Brasil que se via nas novelas e nas notícias”, afirma ela, que até hoje visitou o país sul-americano apenas três vezes, de férias.

Natalia cursou política internacional na Universidade Sophia -foi uma das alunas de Dias. Graduou-se em 2020 e hoje trabalha na área de marketing, em Tóquio. “Tive sorte, meus pais sempre me incentivaram. Não só apoio financeiro, mas acolhimento, conselhos, tudo isso faz diferença para a nossa formação.”

Ela se considera brasileira e japonesa ao mesmo tempo, mas, desde os tempos de universidade, no contato com outras culturas, diz que prefere se ver como uma “global citizen”, ou seja, uma cidadã global. “Tenho essas duas culturas enraizadas, mas tento pensar que não sou só isso: faço parte do mundo.”

| IDNews® | Folhapress | Via NMBR |Brasil

Beto Fortunato

Jornalista - Diretor de TV - Editor -Cinegrafista - MTB: 44493-SP

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