‘Brasil não quer perder dinheiro, mas nós estamos perdendo nossas vidas’, diz ucraniana
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Ucranianos criticaram a decisão do presidente Jair Bolsonaro de evitar sanções contra Moscou
Khristina Zhuk, 28, costumava publicar em seu perfil no Instagram fotos de viagens que fez ao redor do mundo. Desde a semana passada, porém, os posts da ucraniana mudaram de foco e se tornaram o espelho das ações de voluntários que ajudam a fornecer suprimentos para o Exército de seu país.
Moradora de Lviv, cidade próxima à fronteira com a Polônia, ela se uniu a milhares de pessoas que organizam o envio de remédios e alimentos a Kiev, onde militares e civis tentam resistir à invasão russa.
Um dos soldados na capital ucraniana é especial para Zhuk: o pai, militar há cerca de 30 anos, está no front. Ela relatou à reportagem a nova rotina desde o início da invasão russa e contou como os ucranianos tentam se organizar em meio ao caos gerado pelos ataques ordenados por Vladimir Putin.
“É impossível dormir, porque você escuta a sirene de alerta até sete vezes por dia. E, então, você precisa ir para um bunker. Com isso tudo acontecendo, você não quer dormir nem comer”, afirma ela.
Zhuk também pediu apoio do Brasil e criticou a decisão do presidente Jair Bolsonaro de evitar sanções contra Moscou. No domingo (27), ele defendeu que o país adote uma posição de neutralidade e afirmou que “a questão dos fertilizantes é sagrada”. A Rússia é um dos maiores produtores do insumo no mundo.
“Eu sei que o seu presidente não quer aplicar sanções contra a Rússia, porque vocês não querem perder dinheiro, mas nós estamos todos os dias perdendo nossas vidas, nossos pais e nossas mães.”
Pergunta: Qual é a situação em Lviv? Como as pessoas estão reagindo à guerra?
Khristina Zhuk: As pessoas estão muito assustadas e muitas deixaram suas casas, mas algumas decidiram ficar na cidade, como eu e meu marido. Neste momento, estamos arrecadando remédios e outros produtos para nossos soldados e voluntários. Há um verdadeiro caos agora, porque muitas pessoas querem ajudar, mas não há organização. O governo é muito bom, mas não tem tempo para organizar tudo.
P.: Como é a sua rotina desde a invasão?
KZ: Antes da guerra, eu trabalhava como gerente de marketing em uma pizzaria, mas paramos o negócio e o mudamos para fornecer comida aos soldados. Meu perfil no Instagram era sobre viagens, mas agora ele se tornou sobre guerra. Seguidores me mandam mensagens dizendo o que precisam, como remédios e alimentos, e eu coleto e envio. Algumas pessoas também doam dinheiro. Muitos ucranianos estão ajudando uns aos outros. Todos os dias, acordo e recebo muitas ligações de pessoas diferentes que querem nos ajudar.
P.: Tem conseguido dormir?
KZ: Impossível, porque você escuta a sirene de alerta entre cinco e sete vezes por dia e, então, precisa ir para um bunker. Com isso tudo acontecendo, você não quer dormir nem comer. Não esperávamos a guerra. Estávamos dormindo e, às 5h [da última quinta-feira, 24/2], meu marido me acordou e disse “a guerra começou”. Foi um momento muito difícil, mas hoje não estou com medo.
Agora, só odeio os russos, odeio o [presidente russo, Vladimir] Putin e estou pronta para lutar contra eles. Não estou com medo. Quando Putin disse que poderia usar armas nucleares [o líder do Kremlin determinou que as forças nucleares do país ficassem em regime de alerta de combate], eu disse “ok, não ligo, porque é minha terra e vou ficar aqui até o final”. Não tenho outra casa e não quero me mudar para outro país; só farei isso em uma circunstância: se os russos tomarem a minha cidade.
P.: Muitos russos se mostram contrários à guerra. Como vê essa posição?
KZ: Não precisamos da pena deles, precisamos que eles saiam de casa e protestem contra a guerra, mas os russos estão com medo de fazer isso porque no país deles há totalitarismo. Os ucranianos não estão com medo de lutar, mas os russos estão com medo de irem às ruas. Se você quer viver em um país livre e democrático, precisa lutar para isso. Então, eu não respeito os russos. Eles estão calados e, se você silencia, concorda com essa situação [ao menos 6.400 pessoas já foram detidas na Rússia por participarem de protestos contra a guerra, de acordo com a ONG de monitoramento de violência estatal OVD-Info].
P.: O seu pai está em Kiev, lutando pelo Exército ucraniano.
KZ: Só tenho um sentimento: orgulho. Ele é muito corajoso, foi dele a decisão de lutar em Kiev. Ele ama a Ucrânia, ele quer que os filhos dele vivam em um país independente. Há oito anos, quando ele lutou em Donetsk, não recebemos notícias por uma semana e não sabíamos se ele estava vivo. Naquela época, eu tentava me reunir com funcionários do consulado russo na minha cidade [para encontrar informações dele]. Tinha certeza de que ele estava morto.
P.: E a sua mãe, como ela lida com isso?
KZ: Todo dia minha mãe liga para o meu pai para saber se ele ainda está vivo. Atualmente, ela não está em Kiev, até porque minha casa em Kiev foi bombardeada há dois dias. Minha casa é próxima a um hospital para crianças, que também foi bombardeado pelos russos.
P.: O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, tinha baixos índices de popularidade antes da guerra. Como a população ucraniana tem visto a gestão dele em meio ao conflito?
KZ: Eu não votei em Zelenski para presidente porque não gostava dele, mas agora ele está muito bem, muito poderoso, um herói. Ele realmente está inspirando as pessoas. Estamos muito orgulhosos de ter Zelenski como presidente.
P.: Na semana passada, ele criticou o Ocidente e disse que a Ucrânia foi deixada sozinha. Essa também é a sua visão?
KZ: Isso já era esperado, porque, há oito anos, a Rússia tomou parte de nossa terra [referência à anexação da Crimeia], e os EUA e a Europa disseram que estávamos profundamente perturbados. Não esperávamos que algum país enviasse tropas. Nós precisamos de ajuda. Em seu país, seu presidente [Jair Bolsonaro] se recusou a ajudar a Ucrânia, mas não entendemos isso, porque o que a Rússia está fazendo é um crime, não apenas contra a Ucrânia, mas também contra a humanidade e contra a democracia.
Por favor, vão para as ruas, conversem com o seu presidente, não fiquem calados. Somos um país democrático que quer viver de forma independente, sem a Rússia. Sei que o seu presidente não quer aplicar sanções à Rússia, porque vocês não querem perder dinheiro, mas nós estamos todos os dias perdendo nossas vidas, nossos pais e nossas mães. A vida vale mais do que dinheiro. Só imaginem que isso poderia acontecer com o seu país. É terrível.
Oito anos atrás, Putin pegou uma pequena parte da Ucrânia e, antes, já havia feito isso na Geórgia e na Moldova. Ele não vai parar na Ucrânia, ele vai para a Finlândia, para a Polônia, para a Lituânia e talvez até para a Alemanha, eu não sei. O Putin quer um império, ele é louco, ele não vai parar. Mas nós vamos ficar aqui até o final, os ucranianos são um povo corajoso. Será uma longa guerra, porque não desistiremos. Os soldados russos não tem uma motivação para lutar aqui, mas nós temos: é a nossa terra.
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