Educação & Cultura

Gal Costa encarna em Sophie Charlotte em filme que narra a tropicália com corpo e voz


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Gravada no edifício Itália, em pleno centro de São Paulo, a cena –presente no filme “Meu Nome é Gal”, cinebiografia da cantora prevista para o ano que vem– retrata um debate estético que serviria como gênese de um dos movimentos culturais mais importantes da música brasileira

“A gente é brasileiro, nossa voz é brasileira, mas o movimento não tem que ser limitado”, diz Caetano Veloso, dividindo um sofá com Gilberto Gil num clube noturno de bossa nova no Rio de Janeiro, pelos idos de 1967. Eles discutem com o produtor Guilherme Araújo e o designer Rogério Duarte o que viria a ser a tropicália. Em certa altura, com um copo de uísque na mão e ao lado de Dedé Gadelha, então mulher de Caetano, Gal Costa dá um pitaco. “Eu adoro Chacrinha!”

Gravada no edifício Itália, em pleno centro de São Paulo, a cena –presente no filme “Meu Nome é Gal”, cinebiografia da cantora prevista para o ano que vem– retrata um debate estético que serviria como gênese de um dos movimentos culturais mais importantes da música brasileira. Mas a verdade é que, naquela ocasião, Caetano e Duarte só estavam discutindo como seria o novo repertório de Gal Costa.

“A tropicália veio muito de um desejo deles de fazer um projeto novo para a Gal e daí achar um repertório novo para ela”, diz Dandara Ferreira, que, além de intérprete de Maria Bethânia, divide a direção do filme com Lô Politi. “E o que está alimentando eles são essas referências, a Banda de Pífanos de Caruaru, o Chacrinha, os Beatles, o que está acontecendo mundialmente.”

Mesmo que ancorado na história de Gal Costa, “Meu Nome É Gal” acompanha a cantora a partir do momento em que ela troca a Bahia pelo Rio de Janeiro e depois por São Paulo, no fim dos anos 1960, até o começo da década seguinte, quando Caetano e Gil são presos e acabam exilados na Europa. É a história da tropicália, mas a partir do olhar de sua intérprete mais magnética –e também a mais reservada.

“O Caetano, por exemplo, tem uma história com uma dramaturgia nata da vida dele, porque é um drama, acontece muita coisa. E o nosso desafio era como contar a história de uma mulher que mudou a história da música pelo corpo, pela atitude e pela voz, e não pelo intelecto. Como é que uma menina tímida, mas que tem uma voz absurda, se encaixa nesse lugar? É por causa da percepção dela, por ela ser esse radar e mudar tudo com atitude”, diz Politi, que também assina o roteiro da produção.

A ideia do filme sobre Gal Costa veio depois que Ferreira dirigiu a série documental “O Nome Dela É Gal”, sobre a cantora, na HBO Max, e um encontro da cineasta com a artista. “A gente acabou criando uma relação além da amizade, de confiança. E dali surgiu o interesse de fazer uma obra de ficção.” Até o filme começar a ser rodado, nas últimas semanas, cinco anos se passaram até que o projeto amadurecesse.

No filme, Gal é vivida por Sophie Charlotte, que canta ao vivo –assim como os outros atores– a maioria das músicas no filme, e teve a bênção da própria tropicalista. “Quando falei para a Gal que estava pensando na Sophie, ela disse ‘ela chega muito próxima do meu timbre, do meu jeito de cantar'”, diz Ferreira, lembrando quando a atriz cantou “Sua Estupidez”, gravada por Gal, com Roberto Carlos num especial de fim de ano.

“A obra dela é muito importante na minha vida. Quando a Dandara me ligou, imagina, minha vida é antes e depois dessa ligação”, diz Charlotte, que está envolvida no projeto desde o começo e considera fundamental o tempo de desenvolvimento do filme. Ela também tem conversado com Gal, mas com uma certa distância. “Ela não tem se metido, está respeitando bastante.”

A atriz diz que buscou referências no material que Ferreira reuniu para “O Nome Dela É Gal” e, principalmente, nas músicas que a baiana gravou. “Acho que a Gal canta histórias nas músicas, e cada parte das músicas conta uma parte dessa história. Mas isso eu só fui entender ouvindo muito e entrando de cabeça nesse universo musical”, ela diz.

Além da protagonista, o elenco do filme ficou reunido durante mais de um mês numa casa na Granja Viana, em São Paulo, para ensaiar e azeitar o entrosamento –”viver a nossa tropicalidade”, como brinca Politti. “De repente, virou uma turma muito coesa, que estão juntos na folga, de noite, no hotel.”

A conexão do elenco é uma das armas do filme, que é o primeiro de ficção a retratar esses personagens históricos da cultura brasileira. Caetano é vivido por Rodrigo Lelis, baiano que estudou no Teatro Vila Velha –por onde já passaram alguns dos tropicalistas– e quem mais tem semelhanças físicas com seu personagem da vida real, ao ponto de ter sido confundido por desavisados nas ruas.

“Não tenho tentado internalizar exatamente o Caetano na minha vida”, diz o ator, que até três meses antes das filmagens, não sabia tocar violão. “Tento trazer coisas, gestuais, formas de me comportar no meu dia a dia para, quando chegar a uma cena, estar de alguma forma natural. Então essa coisa de deixar o cabelo crescer, partir o cabelo e ser confundido com Caetano vem desse meu processo de ator. Estou tentando trazer esse Caetano para mim –que na verdade não é Caetano, sou eu fazendo ele.”

Gilberto Gil é vivido por Dan Ferreira, que já encarnou o jovem Pixinguinha no filme sobre o músico e atuou como um policial na novela “Amor de Mãe”. “Todo mundo acha que ele é o que menos parece fisicamente, mas o Dan traz elementos que torna irrelevante se parece o Gil ou não”, diz Ferreira. “Tem momentos que a gente pensa que vai ser o ‘Gil do Dan’. Mas aí, de repente, é o Gil mesmo. É um ator que entrega num nível que, quando vem o Gil, você acredita nisso o tempo inteiro”, acrescenta Politti.

A intérprete de Maria Bethânia, a própria diretora Dandara Ferreira, foi uma das últimas a assumir o papel. “Não dá para fazer um filme da Gal sem a Bethânia, embora no nosso recorte ela não estivesse tão próxima musicalmente. É um grupo”, diz ela, que conheceu Rodrigo Lelis atuando com ele no Teatro Vila Velha.

“A gente tinha o receio de como colocar a Bethânia no filme, de manter o mistério, mas ao mesmo tempo com uma relação muito forte com a Gal. Topei entrar nisso muito como uma homenagem. Foi um truque para me eternizar como um amor da Gal.”

Há ainda vários personagens decisivos para a formatação da tropicália, mas que não são tão conhecidos do público, como o produtor musical Guilherme Araújo, vivido por Luis Lobianco. “Não o conhecia muito, mesmo tendo passado por ambientes no Rio que ele ajudou a fomentar”, ele diz. “Ele enxerga antes de qualquer um o potencial desses baianos que vêm para cá. Ele bate o olho e fala ‘isso é internacional, é para o mundo’. Só que era um monte de adolescente.”

Camila Márdila vive Dedé Gadelha, na época mulher de Caetano e um dos elementos fundamentais para dar a cola ao grupo. “Desde o início eu estava pensando que ia ser mais simples por fazer uma pessoa que não é tão conhecida”, diz a atriz. “Só que, conversando com as pessoas, todo mundo fala de uma maneira botando ela no centro de muitos acontecimentos. Não à toa ela se junta ao Guilherme, com essa cabeça de produzir mesmo. E muita gente diz que esses encontros só aconteciam porque ela estava ali.”

Ela também ajuda a retratar esse período a partir de visões femininas daquele que era um ambiente bastante masculino. “Ela dita moda, comportamento, é uma mulher conhecida por todo mundo como alguém que tem sua liberdade reconhecida entre todos. Ela era racional, mas era dançarina. E era amiga de infância de Gal, antes de isso tudo acontecer.”
Esse momento de experimentar liberdades no auge dos anos de chumbo também surge no filme. “Nesse recorte, era todo mundo muito livre. Isso [a fluidez das relações sexuais] não era uma questão para eles e também não é uma questão para a gente no filme. Caetano e Dedé eram casados, mas isso não significa que a sexualidade deles era definida nesse casamento. Isso não era uma questão e, para a Gal, também não é”, diz Politi.

“Como a gente encaretou, né?”, brinca Lobianco. “De vez em quando, a gente tem que parar para lembrar que as pessoas vivenciavam as relações com muito mais fluidez do que agora –que a gente está debatendo isso, dando nomes.” Charlotte lembra que se trata de um período pós-pílula anticoncepcional e antes do HIV. “E você poder fazer uma ponte com essa ousadia, essa explosão de energia e o envolvimento com a vida, acho que é o mais interessante.”

| IDNews® | Folhapress | Via NMBR |Brasil

Beto Fortunato

Jornalista - Diretor de TV - Editor -Cinegrafista - MTB: 44493-SP

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