Modelo de privatização da Eletrobras tem efeitos colaterais, dizem economistas
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Na avaliação de economistas e especialistas, esses desafios continuarão a existir no setor de energia mesmo após a privatização da Eletrobras.
Redefinir o papel do Estado, impedir o repique na conta luz e garantir investimentos para modernizar o sistema e buscar a inclusão social. Na avaliação de economistas e especialistas, esses desafios continuarão a existir no setor de energia mesmo após a privatização da Eletrobras.
O governo e o sindicato de bancos responsáveis pela capitalização correm contra o tempo para concluir a operação ainda no primeiro semestre, enquanto diferentes correntes veem impasses relevantes de médio e longo prazo para o país após a privatização. Em muitos casos, são problemas gerados por deficiências no modelo de privatização escolhido e na condução da operação.
O economista Armínio Fraga, sócio da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central, por exemplo, ainda tem dúvidas sobre a eficiência do desenho adotado. Em vez de promover a venda da companhia, o que Fraga considera mais adequado, a opção foi diluir a participação da União de 72% para 45%, o que preserva a presença e a influência do Estado dentro do negócio.
Assim como os demais acionistas, o governo terá 10% das ações com direito a voto, mas tende a ter dois conselheiros.
Hoje, o conselho de administração tem dez integrantes. A União ainda terá veto em questões societárias.
“Temo que o modelo não resolva os problemas históricos de governança da empresa”, diz Fraga. “Melhor seria vender as subsidiárias, e o setor seguiria regulado, claro.”
Alguns acreditam, no entanto, que essa redução no poder de fogo do Estado será suficiente para extirpar antigos vícios -como as pressões por indicações políticas em suas subsidiárias Eletrosul, Eletronorte, Chesf e Furnas.
Em contrapartida, a União, agora como minoritária em uma empresa de controle pulverizado, ganharia espaço para atuar como uma interlocutora entre demandas dos setores público e privado -embora sem autonomia para bater o martelo.
“Na atual estrutura, a Eletrobras está engessada e suas subsidiárias viraram competidoras entre si [brigando] por poder, verbas e projetos a ponto de já terem sido chamadas de descontroladas da Eletrobras”, afirma o ex-ministro de Minas e Energia e deputado Fernando Coelho Filho (União-PE), que trabalhou pela privatização.
“Na condição de uma grande corporação da área de energia, a Eletrobras poderá se tornar um importante investidor no Brasil e em outro países, se equiparando a empresa globais como AES, EDP e Engie.”
Existem, no entanto, heranças adicionais da tramitação do projeto de privatização que preocupam estudiosos como Samuel Pessôa, chefe de pesquisa do Julius Baer Family Office e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Pessôa questiona a obrigatoriedade de construção de térmicas a gás, medida que foi incluída na lei de privatização da companhia durante a sua tramitação no Congresso.
O texto final prevê que a Eletrobras vai comprar 8.000 MW (megawatts) de térmicas a serem instaladas nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Esses projetos vão custar de R$ 2,4 bilhões a R$ 27,8 bilhões por ano até 2030, segundo estimativas da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres).
“A privatização de uma estatal como a Eletrobras faz todo o sentido neste momento, pois o capital privado tende a torná-la mais competitiva quando o setor vive uma grande transformação, rumo a energias mais limpas”, diz Pessôa.
“No entanto, não podemos dizer o mesmo das térmicas a gás, que são poluentes e foram incluídas na proposta apenas para atender lobby privado, com efeitos sobre o custo da tarifa de energia.”
Essas térmicas, por tabela, vão exigir ainda a construção de linhas de transmissão e uma rede de gasodutos para levar o gás do litoral ao interior. A rede de dutos alimenta embates no Congresso, pois existe a expectativa de que ela seja bancada com recursos públicos.
Pessôa acredita que seria mais racional trabalhar no Congresso por uma revisão que levasse à extinção desses custos adicionais.
Uma medida nesse sentido também é defendida pelo economista Nelson Barbosa, ex-ministro de Fazenda e de Planejamento de governos petistas. “É certo que vamos ter aumento na conta de luz se não revirem essa bolsa-gás”, diz ele.
Barbosa acompanhou estudos sobre a privatização das últimas distribuidoras da Eletrobras, empresas deficitárias que prejudicavam o resultado da companhia. As seis empresas foram a leilão na Bolsa em 2018, já na administração do presidente Michel Temer (MDB), abrindo caminho para a venda da estatal, que já estava em estudos.
Outro efeito colateral que preocupa especialistas e está no radar de Barbosa é a chamada descotização, que, na prática, significa uma mudança na forma de comercializar a energia elétrica.
Atualmente, existem cotas para o mercado regulado -que abastece a maioria das residências e boa parte das pequenas e médias empresas. Nesse ambiente, o reajuste segue regras e é monitorado. A privatização estabelece um cronograma para que essas cotas sejam desfeitas e a energia passe a ser vendida no mercado livre -onde o preço é formado pela relação entre oferta e demanda.
“Quando a oferta for abundante, todo mundo vai ficar feliz, mas e quando houver restrição? Dada a situação climática, o risco de termos falta de água nas usinas e aumento no preço da energia é muito alto”, diz Barbosa. “O governo tinha pressa em vender para fazer caixa, então, acelerou o processo, sem estabelecer contrapartidas e metas para reduzir esse risco para o consumidor final.”
Candidato a presidente pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva tem dito que pode rever a privatização da Eletrobras caso seja eleito. O senador Jean Paul Prates (PT-RN), que acompanha a construção do programa de governo petista na área de energia, confirma que existe essa discussão e faz ponderações.
“Qualquer governo pode recomprar uma estatal se isso fizer sentido de política pública, assim como qualquer grande empresário, como Jorge Paulo Lemann ou Elon Musk, podem atuar para rever a direção de negócios em que são acionistas”, diz Prates. “Mas esse tipo de mudança não ocorre do dia para noite, e sempre é acompanhada de muito diálogo e planejamento, dentro das regras de mercado.”
Como parlamentar que acompanhou a tramitação do projeto de privatização, o senador vê muitas deficiências no modelo final, especialmente as já citadas brechas que impactam o preço da energia. “Essa privatização promete aumento na tarifa e ponto”, afirma.
A questão do planejamento da política pública e da segurança energética é o que mais preocupa outro economista, Nelson Marconi, professor da Escola de Administração de Empresas da FGV que assessora o pré-candidato à presidência da República Ciro Gomes (PDT).
“Entendo que a capitalização busca reduzir a parte da União, para que dirigentes e acionistas possam tomar decisões de investimento mais ágeis”, diz Marconi. “Mas estamos fazendo a privatização no momento em que a invasão da Ucrânia pela Rússia faz o mundo discutir o contrário: o papel estratégico do controle da energia pelos Estados.”
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