Aprovação de casamento gay em Cuba evidencia contradições do regime
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“Se o regime cubano estivesse realmente interessado nos direitos da população LGBTQIA+, teria estabelecido o casamento entre pessoas do mesmo sexo sem a necessidade de um referendo. Se estivesse interessado na democracia, permitiria eleições livres para escolher um presidente”, diz à Folha Juan Pappier, da divisão de Américas da ONG Human Rights Watch.
A vitória do “sim” em um referendo que ampliou uma série de direitos civis em Cuba, oficializada nesta segunda-feira (26), representou um avanço nesse campo específico ao mesmo tempo que ajudou a reforçar as contradições do regime ditatorial da ilha. Ativistas pró-democracia classificam o resultado como uma notícia agridoce.
“Se o regime cubano estivesse realmente interessado nos direitos da população LGBTQIA+, teria estabelecido o casamento entre pessoas do mesmo sexo sem a necessidade de um referendo. Se estivesse interessado na democracia, permitiria eleições livres para escolher um presidente”, diz à Folha Juan Pappier, da divisão de Américas da ONG Human Rights Watch.
Aprovado com 66% dos votos, o chamado novo Código das Famílias substituirá uma lei de 1975, passando a valer imediatamente. Ele define o casamento como a união “entre duas pessoas”, abrindo a porta para o casamento LGBTQIA+ e a adoção de crianças por casais homossexuais.
Também permitirá o reconhecimento de pais e mães além dos biológicos, assim como a barriga de aluguel -desde que sem fins lucrativos-, e agregará outros direitos a crianças, idosos e pessoas com deficiência.
“A população LGBT tem todo o direito de celebrar, mas esse referendo não muda nem um centímetro o caráter ditatorial do regime”, afirma Pappier. Historicamente, o regime cubano perseguiu, prendeu e levou ao exílio milhares de homossexuais.
Agora, promoveu uma intensa campanha midiática a favor do novo código, inclusive batendo de frente com a oposição de católicos e evangélicos -em comunicado, a Conferência Episcopal manifestou contrariedade com vários pontos do texto, como a adoção por casais do mesmo sexo, gravidez assistida e paternidade ampliada.
Ao votar neste domingo (25), o líder cubano, Miguel Díaz-Canel, disse que a nova lei “é uma norma justa, necessária, atualizada, moderna e que dá direitos e garantias a todas as pessoas, a todas as diversidades de famílias, de pessoas, de credos”.
Mais de 8 milhões de cubanos eram esperados para responder “sim” ou “não” a uma única pergunta: “Você concorda com o Código das Famílias?”. O comparecimento às urnas foi de 74%.
“Isso pode parecer alto para as democracias ocidentais, mas o fato de mais de 25% dos eleitores não terem ido votar é um castigo para o regime”, afirma a jornalista independente Yoani Sánchez. “Trata-se de uma ditadura, e não votar é um posicionamento que traz problemas de perseguição política, perda de empregos e pode levar até à prisão. Os que ficaram em casa atuaram com valentia numa posição de enfrentamento.”
A principal porta-voz da campanha do “sim”, Mariela Castro, filha do ex-ditador Raúl Castro, defende que a nova legislação não entra em conflito com o modo como o regime vê o casamento igualitário. “Estamos vivendo um processo revolucionário de amadurecimento do povo cubano e da própria Revolução”, disse, em entrevista ao canal Telesur.
A contradição do resultado, porém, fica ainda mais evidente quando se leva em conta que em dezembro entra em vigor um novo Código Penal, com medidas duríssimas contra a liberdade de manifestação e de expressão –para o qual não houve nenhum tipo de referendo ou consulta popular.
“O que aconteceu em Cuba no último fim de semana foi uma operação de desvio de atenção. O regime desenhou uma estratégia para maquiar o que no fundo está realizando, que é o endurecimento de toda a estrutura contra o dissenso”, diz o jornalista Jose Jassan, editor do jornal digital El Toque, baseado nos EUA.
O novo Código Penal vai penalizar com oito anos de prisão, por exemplo, aqueles que veicularem qualquer tipo de conteúdo jornalístico independente e crítico por meio de redes sociais. Também aumentará o controle da vigilância do uso da internet, proibirá o financiamento vindo do exterior a ONGs e organizações da sociedade civil, reduzirá a maioridade penal e ampliará os casos em que se pode classificar ações contra o regime de “terrorismo”.
A prisão perpétua será aplicável a mais categorias de delitos -de 25 passarão a 31-, e crimes considerados “contra o Estado” poderão ser punidos com pena de morte.
“Nossa sociedade já é bastante reprimida, e esse texto vai incrementar as ferramentas que permitem a perseguição política e a repressão a manifestações cidadãs. É uma legislação contra todos os cubanos”, afirma a ativista dissidente Martha Beatriz Roque.
As políticas de repressão aumentaram muito na ilha desde os históricos protestos de 11 de julho de 2021. Mais de 1.400 manifestantes envolvidos nos atos foram detidos, muitos ainda nem passaram por julgamento e diversos receberam condenações com penas muito altas -ter saído às ruas naquele dia ou estimulado os protestos nas redes sociais rendeu até 25 anos de cadeia.
A convocação para um movimento semelhante em novembro acabou frustrada justamente em meio ao cerco intenso do regime.
É por isso que o ativista dissidente Manuel Cuesta Morúa vê a aprovação do Código das Famílias como “uma notícia agridoce”.
“O regime consegue vender internacionalmente a imagem de que é progressista, a favor das minorias, atento às chamadas pautas de segunda geração, num contexto em que são brutalmente reprimidas as pautas de primeira geração”, afirma. “A contradição é tanta que se criou uma situação em que um casal homossexual pode ir se casar pela manhã, mas à tarde ser preso por expressar uma opinião.”
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