Microdoses de cogumelos contra ansiedade viram moda, mas trazem riscos
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Estudos apontam potencial para redução de sintomas de depressão e ansiedade, mas a substância, além de proibida no mercado, pode trazer riscos a saúde
No auge da pandemia, com tanta falta de ar que achou que fosse Covid, Davi, 24, comprou um punhado de cogumelos pela internet, triturou-os e os comeu puros.
O estudante de psicologia, que pediu para ser citado com um nome fictício na reportagem, soube da existência das microdoses de Psilocybe cubensis, conhecidos como “cogumelos mágicos”, por podcasts, documentários e artigos, enquanto pesquisava uma alternativa para combater o que tinha: ansiedade.
O estímulo ao consumo de microdosagens de um dos princípios ativos da espécie, a psilocibina, avança nas redes sociais no Brasil, move lojas no e-commerce, cerimônias e retiros.
Estudos apontam potencial para redução de sintomas de depressão e ansiedade, mas a substância, além de proibida no mercado, pode trazer riscos, segundo especialistas.
“Essas drogas do jeito que estão vindo, meio empurradas pela cultura, são muito perigosas. As pessoas mais vulneráveis mentalmente têm mais risco, por exemplo, de psicotizar com a psilocibina. A psicose é um dos efeitos possíveis a longo prazo”, diz a psiquiatra e vice-coordenadora da Comissão de Adicções da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Carla Bicca, afirmando que não há consenso sobre o que seria uma microdose.
“Tem colegas sérios estudando isso? Tem. Mas até agora não tem nada que nos diga que essa é uma grande droga e que realmente está funcionando. As evidências atuais são muito frágeis, e a dose entre o céu e o inferno é difícil de medir”, reforça.
Entre outras potenciais reações que cita estão náuseas, problemas no sono e crise de pânico -a ansiedade em grau máximo.
MICRODOSAGEM
A microdosagem seria o consumo de uma dose pequena, de 0,1 a 0,4 gramas. O diretor de fotografia André Henrique Pamplona, 56, encontrou em uma loja virtual cápsulas com os “cogumelos mágicos” nessa quantidade, vendidos como uma opção “saudável e eficaz para tratar depressão, TDAH e ansiedade”.
“Eu não sinto reação adversa após o uso. Vinte minutos depois de tomar a psilocibina, sinto a ansiedade indo embora, me sinto bem e feliz”, afirma.
A substância entrou na rotina dele, no Rio de Janeiro, desde março, após ele ver um documentário e pesquisar mais, por indicação de um amigo que usa. “Como já fiz uso da substância como recreação na juventude e nunca me fez mal, não vejo por que não utilizá-la para acabar com o meu problema. Tenho ansiedade muito forte pela manhã e as sensações são muito ruins. É taquicardia, o ar não é suficiente, sinto um bolo na garganta”, justifica.
Para Eduardo Schenberg, doutor em neurociências, pesquisador e presidente do Instituto Phaneros, o uso desses produtos “é uma moda sem evidência científica que tem sido propagandeada principalmente entre usuários, mas também por alguns cientistas”.
“Os estudos científicos vão mostrando cada vez mais que quando se faz um estudo duplo cego -em que algumas pessoas vão receber a microdose e outras não, sem elas saberem quem está recebendo ou não- praticamente não há diferenças detectáveis entre os grupos. Então as melhoras são mais devido à expectativa, ao fato de estarem envolvidas em uma comunidade. Isso é geralmente chamado de efeito placebo”, observa.
A defesa do uso surge nas redes, segundo o neurocientista, sem que as pessoas saibam de fato quais são os riscos. Os possíveis efeitos, a segurança e a eficácia são objeto de estudos no Brasil e no exterior.
Resultados atuais apontam aspectos positivos, mas também o oposto. E “a moda”, alerta Schenberg, pode levar pacientes a entenderem equivocadamente que devem abandonar tratamentos como psicoterapia e medicamentos para apostar na substância que salta aos olhos como alternativa.
“Eu recebo e-mails com frequência, e mensagens no Instagram, que querem saber como trocar o antidepressivo por microdoses de cogumelo, mas não há indicação de que as pessoas devam fazer isso”, reforça. Outro risco é o de potenciais usuários adiarem a busca pelo tratamento psiquiátrico e o transtorno ir se aprofundando.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) aponta o Brasil como líder global em número de ansiosos. São mais de 18,6 milhões, incluindo Davi. O estudante enxergou microdoses como ajuda ao ouvir um podcast, no ano passado. O momento, analisa ele, foi uma “virada de chave”. “A partir do relato que ouvi, mergulhei fundo nos estudos até que cheguei nas microdoses e decidi tentar por conta própria.”
O experimento foi compartilhado com os seguidores em uma rede.
Em uma escala de 0 a 10, ele diz estar hoje em nível 6 de ansiedade. Não está usando microdoses agora, mas acredita que é preciso desmistificar o assunto. “A primeira coisa que percebi foi que eu estava calmo e aquela angústia no peito tinha sumido, mas também senti muita dor de cabeça. Pensei que talvez tivesse tomado mais do que o necessário. O efeito que senti foi bem claro, e não sutil, como eu via nos relatos”.
ESTUDOS
Hoje, no Brasil, não existem medicamentos legalmente registrados com psilocibina, nem pedidos na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) com esse objetivo. Atividades com cogumelos Psilocybe cubensis são ilegais no país, segundo a agência. A exceção são pesquisas de órgãos e instituições autorizadas.
Pelo menos sete estudos que envolvem ansiedade e psilocibina foram aprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa desde 2018, cinco deles coordenados por Schenberg, do Instituto Phaneros. Ele pesquisa efeitos de drogas psicoativas, com foco em substâncias psicodélicas como a psilocibina, há mais de dez anos.
Os trabalhos que realiza não usam microdoses, mas doses altas, com acompanhamento terapêutico antes, durante e depois de sessões chamadas psicoterapia assistida com psicodélicos. As substâncias nos estudos são feitas em indústria farmacêutica, com controle de qualidade, medida de dosagem com precisão e segurança de ali não haver impurezas e contaminantes -o que, segundo ele, é difícil atestar em produtos das redes.
Em cursos para profissionais da saúde e estudantes, o neurocientista ensina, em um módulo, como orientar pacientes no consultório caso tenham interesse no assunto. “É preciso ajudar o paciente a tomar uma decisão respeitando um dos princípios bioéticos mais importantes da área da saúde, que é a autonomia do paciente de buscar opções”, afirma ele.
“Mas é importante que os profissionais tragam também que há pouca evidência científica de que as microdoses possam tratar a depressão, por exemplo, e que as evidências mais robustas de que possa ajudar são obtidas com outros modelos, que envolvem doses altas de psilocibina e que jamais devem ser tentados como automedicação em casa.”
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