‘O cigarro matou o Pepê’, diz amiga de Pedro Paulo Rangel
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Pedro Paulo Rangel morreu nesta quarta-feira (21), no Rio de Janeiro
Ele era baixinho e divertido. Culto, leitor, espectador compulsivo de séries de TV. Meio ranzinza e turrão mas, na maioria das vezes, bancava o ranzinza só para cutucar algum chato. Com os amigos, era puro amor e delicadeza. Pedro Paulo Rangel, que se foi nessa quarta-feira, tinha um talento gigantesco, aquele inexplicável poder de se transformar em muitos e traduzir todas as emoções.
Premiadíssimo, ganhou em 2020 o Shell pelo conjunto da obra – e foi justamente a edição do prêmio que não teve festa, por causa da pandemia. Cáspite, dizia ele. E ria.
Pepê não tinha o menor problema para comentar suas questões de saúde, e aproveitava para fazer campanha contra o cigarro, vício que lhe trouxe a cruel DPOC, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. Mesmo tendo parado de fumar em 1988, a doença o alcançou quatro anos depois. De uns tempos para cá, cedeu à enorme dificuldade de caminhar e comprou uma cadeira de rodas motorizada.E me convidou para passear “de lambreta” com ele em Copacabana – sentada no colo dele, lógico. Inesquecível.
No palco, ninguém diria que estava sem fôlego. Fazia fisioterapia religiosamente, pesquisava todo e qualquer tratamento experimental, chegou a considerar transplante de pulmão, mas não era mais possível. Em 2018, quando montou sua última produção, “O Ator e o Lobo”, com textos dele próprio mesclados ao do escritor português António Lobo Antunes, fazia um monólogo de hora e meia, em pé, se movimentando, e muito bem. No dia a dia, porém, poucos passos o deixavam sem fôlego. Vá entender. É a mágica do ator. O tesão do ator.
Tinha um entusiasmo renitente. Quando comecei a escrever os roteiros do podcast musical “Torna Viagem”, com música portuguesa e brasileira, só pensei na voz dele a contar as peripécias dos músicos e compositores daqui e d’além-mar. Afinal, seu livro de memórias se chamou “O Samba e o Fado”, escrito pela jornalista Tania Carvalho.
Ele gravou toda a primeira temporada, que foi ao ar na Rádio MEC e na Rádio Cultura, e está indo ao ar na Antena 2 de Lisboa. Tinha convites para minisséries e ia se alegrando com desafios à precariedade da saúde – ela ainda escutava pouco, numa surdez resultante do disparo de uma arma de festim, sem proteção, ao longo da temporada de “Aurora da minha vida”, de Naum Alves de Souza, nos anos 1980.
A casa de Pepê era uma caverna de tesouros. Da última vez que estive lá, ele me mostrou a caixa de madeira onde se guardava ouro na época de D. Pedro I. Nos últimos tempos, tinha feito uma tremendo dieta e voltou a ficar esbeltíssimo. E, como se não bastasse o ator fenomenal que foi, ele escrevia.
Escrevia muito bem. Anos e anos atrás, havia mantido um blog de sucesso onde exercitava a verve ácida e contava as aventuras como ator. Convidei Pepê para escrever uma crônica para o livro “25 cronistas falam de superação”, ao lado de monstros do gênero como Ruy Castro, Sérgio Rodrigues, Marcelo Moutinho, Cora Rónai, Martha Medeiros. A crônica dele, contando as desventuras de um passaporte deixado no hotel em Paris, foi das mais divertidas.
De seu último trabalho no palco vale a pena reproduzir uma de suas crônicas cênicas, por assim dizer. Na memória dos 50 anos de carreira, ele tinha um texto lembrando a avó que terminava assim: “Eu era seu neto preferido. E ela não se avexava em demonstrar, fosse onde fosse, que me amava e que eu lhe pertencia de fato e de direito. (…) Dona Prazeres viveu até aos 95 anos, sempre muito feliz, como fora a camponesa sem estudos dos olivais e vinhedos da Serra da Estrela. Beijei tão pouco ela. Abracei tão pouco ela”. E eu ecoo a última frase dele – beijei tão pouco ele, mesmo tendo beijado muito.
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