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Araraquara

Juíza que não viu tortura em negro amarrado já prendeu com base em voz


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Gabriela Marques da Silva Bertoli já determinou a prisão de uma mulher por furtar livros infantis para as filhas


A juíza Gabriela Marques da Silva Bertoli, do Tribunal de Justiça de São Paulo, já determinou a prisão de uma mulher por furtar livros infantis para as filhas e de um jovem de 18 anos com base em reconhecimento de voz. Na semana passada, uma decisão de prisão preventiva dela ganhou notoriedade: a juíza não viu indícios de tortura e maus-tratos na prisão de um homem negro amarrado e arrastado até uma viatura policial.

Na decisão em que converteu a prisão em flagrante em preventiva – que não tem prazo para terminar – Gabriela Bertoli disse que não havia “elementos que permitam concluir ter havido tortura ou maus-tratos ou ainda descumprimento dos direitos constitucionais assegurados ao preso”. Ao menos 17 entidades de direitos humanos repudiaram.

A juíza considerou que o homem cumpria pena em regime aberto, não tinha emprego ou endereço fixo – e que continuaria a “delinquir” se colocado em liberdade.

As decisões da magistrada por prisões preventivas não ocorreram somente nesse caso. A mesma determinação ocorreu para pessoas acusadas de furto de objetos de baixo valor e de portar quantidades inexpressivas de drogas.

Prisão por reconhecimento de voz

Riquelme Madeira Antunes, 19, ficou preso entre agosto e dezembro do ano passado, após a mesma juíza acatar pedido do Ministério Público de São Paulo baseado em um reconhecimento de voz. “Só me prejudicou, quando passei por lá atrapalhou tudo. Não dá nem para descrever”, disse o jovem ao UOL.

O jovem foi preso ao entrar na casa do vizinho para avisar que o portão estava aberto. No imóvel, ele se deparou com policiais militares que buscavam suspeitos de participar de um sequestro. Na delegacia, a vítima teria reconhecido a voz de Riquelme como um dos suspeitos.

“Existe a possibilidade de um reconhecimento por voz ser válido, mas ele precisa ser feito seguindo requisitos muitos rígidos”, afirma Débora Nachmanowicz, advogada e mestranda em criminologia pela USP, que analisou o caso. Para ela, “essa prova era extremamente frágil no contexto do Riquelme”, pois seriam necessários outros elementos no reconhecimento.

A prisão em flagrante pode ser convertida em temporária caso a pessoa acusada represente risco, se estiver em liberdade ou causar problemas à investigação. Na avaliação da advogada criminalista da USP, no caso de Riquelme, poderiam ter sido aplicadas medidas cautelares.

Familiares e amigos dizem que o jovem não é o mesmo após a prisão. Antes de ser detido, ele participava de concursos para se tornar jogador de futebol. Os meses na cadeia o afastaram desse sonho. “Passei meu aniversário lá [preso]. Era meu último ano para tentar virar jogador.”

A defesa de Riquelme pretende pedir indenização ao Estado.

Prisão por furto de livros

Gabriela também pediu a prisão de uma mulher pelo furto de livros infantis em um terminal de ônibus da zona leste de São Paulo. Ela foi presa em abril de 2022 e solta em março deste ano. Antes, a mulher havia sido condenada por furto de um termômetro e um monitor de pressão arterial, um prendedor de cabelo, remédios e desodorante.

Na argumentação, a juíza justificou a prisão preventiva pela reincidência. “A autuada é reincidente, possuindo condenação definitiva anterior pela prática do crime de furto e estando ainda em cumprimento de pena.”

A Defensoria Pública de São Paulo emitiu um pedido de habeas corpus sinalizando que o valor dos bens furtados não passava de R$ 75 – valor inferior ao definido pelo critério do princípio da insignificância.

De acordo com o Código de Processo Penal, “a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar”. Contudo, a juíza não converteu o flagrante em domiciliar.

Preso por protesto

A mesma juíza também decidiu pela prisão no caso do entregador Paulo Roberto da Silva Lima, o Galo. Ele foi investigado pelo incêndio a estátua de Borba Gato, na zona sul de São Paulo, em julho de 2021.

Em agosto daquele ano, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) revogou a prisão temporária. Mas antes que ele fosse soltou, Gabriela decretou a preventiva dele e outras duas pessoas. Ela argumentou que “haveria risco” de novas ações serem realizadas e que ele “seria uma espécie de líder da associação criminosa”.

Advogados criticaram o entendimento da magistrada. “O ato de queimar a estátua teve um caráter político e simbólico. A resposta do sistema de Justiça foi política, de um ponto de vista de alinhamento com o pensamento de extrema-direita.”

O que diz o TJ-SP

Ao UOL, o TJ-SP informou que “os juízes que atuam nas audiências de custódia são designados pela Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo”. O Tribunal disse que “o sistema brasileiro coloca à disposição das partes a possibilidade de recurso, de forma que a discordância da decisão pode ser submetida às instâncias superiores para reanálise”.

Em relação aos casos citados na reportagem, o TJ-SP afirmou que “os juízes têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos processos e seu livre convencimento. “Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito”, diz texto enviado à reportagem.

Em relação ao caso do homem amarrado pela polícia, o TJ-SP afirmou que na audiência de custódia “ele respondeu negativamente” ao ser questionado se possuía reclamações ao tratamento dos policiais.

O Tribunal diz ainda que em 7 de junho a Defensoria protocolou petição apresentando vídeos e pedindo providências sobre o caso.

O UOL procurou a juíza Gabriela Bertoli, mas foi informado de que “os magistrados são impedidos pela Lei Orgânica da Magistratura de se manifestar fora dos autos”.

|IDNews® | Folhapress | Beto Fortunato |Via NBR | Brasil

Beto Fortunato

Jornalista - Diretor de TV - Editor -Cinegrafista - MTB: 44493-SP

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