Autópsias em SP encontram coronavírus no cérebro; danos são estudados
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Autópsias em SP encontram coronavírus no cérebro; danos são estudados
| IDNews® | São Paulo | Folhapress | Via Notícias ao Minuto |Brasil|
Jennifer Frontera, neurologista do NYU Langone, um hospital no Brooklyn (NY), está coordenando um projeto internacional de pesquisa colaborativa para padronizar a coleta de dados
IDN – Saúde – EUA
Não bastasse a síndrome respiratória aguda, o novo coronavírus também pode afetar as funções neurológicas e causar danos ao sistema nervoso central, revelam novos estudos.
Os sintomas vão desde os inespecíficos como dor de cabeça e tontura e chegam aos mais graves como alterações de consciência, convulsões, acidentes vasculares cerebrais (AVC), falta de coordenação motora e fraqueza muscular.
Um trabalho publicado na revista científica Jama (Journal of The American Medical Association) na semana passada constatou que 36,4% de 214 pacientes chineses acompanhados apresentavam sintomas neurológicos que variaram de perda de olfato e dor nos nervos a convulsões e derrames.
Outro artigo do New England Journal of Medicine desta semana examinou 58 pacientes em Estrasburgo, na França, e descobriu que mais da metade estava confusa ou agitada, com imagens do cérebro sugerindo inflamação.
Segundo o neurologista Ronaldo Abraham, diretor científico da Apan (Associação Paulista de Neurologia), embora o vírus afete principalmente o sistema respiratório tem sido descrito um número cada vez maior de casos em que há também o comprometimento das funções neurológicas.
“Temos visto a descrição de casos fatais de encefalites relacionados aos vírus. Os centros respiratórios do tronco cerebral podem estar comprometidos também.”Para ele, isso explicaria casos em que o paciente está relativamente estável do ponto de vista pulmonar e, de repente, piora. “Ele pode piorar do pulmão pelo comprometimento neurológico.”
Em São Paulo, autópsias realizadas pela equipe do patologista Paulo Saldiva, da USP, em vítimas da Covid-19 já detectou a presença do coronavírus no tecido cerebral de quatro delas, por meio de exame do tipo PCR.
“Em dois casos vimos AVC. Possivelmente AVC isquêmico que pode ter virado hemorrágico”, diz Saldiva.
Segundo ele, os pesquisadores tentam descobrir por meio da autópsia qual o caminho do vírus até o cérebro. Uma hipótese são as vias nasais. “Nunca o sistema nervoso esteve tão próximo da rua. O vírus pode entrar pelo nariz e, pelas vias olfativas e terminações nervosas, chegar ao interior do sistema nervoso.”
Não é exatamente uma novidade para médicos e cientistas que o Sars-CoV-2 possa afetar o cérebro e o sistema nervoso. Isso já foi documentado em outros vírus, incluindo o HIV, que podem causar declínio cognitivo se as doenças não forem tratadas.
Os vírus podem atingir o cérebro de duas formas. Uma mais conhecida é por meio do desencadeamento de uma resposta imune anormal conhecida como tempestade de citocinas que causa inflamação cerebral (chamada encefalite autoimune).
A segunda é a infecção direta do cérebro, chamada encefalite viral. O cérebro é protegido por uma barreira que bloqueia substâncias estranhas, mas que pode ser violada se estiver comprometida.Como a perda do olfato é um sintoma comum do coronavírus, isso reforçaria a suspeita de que o nariz possa ser o caminho para o cérebro. Essa hipótese, porém, ainda precisa ser comprovada, segundo Saldiva.
Na opinião de Abraham, o vírus parece agir no aumento da expressão de um receptor de invasão celular, o ACE2 (enzima conversora da angiotensina), responsável por facilitar o processo de infecção das células pulmonares.
“O ACE2 existe em todo o organismo, sendo abundante no sistema nervoso”, explica o neurologista.
O coronavírus já foi detectado no líquido cefalorraquidiano de um japonês de 24 anos de idade, cujo caso foi publicado no International Journal of Infectious Disease.O homem desenvolveu confusão e convulsões, e as imagens mostraram que seu cérebro estava inflamado. Mas, como o teste do vírus ainda não foi validado para o líquido espinhal, os pesquisadores são cautelosos em estabelecer qualquer relação.
Jennifer Frontera, neurologista do NYU Langone, um hospital no Brooklyn (NY), está coordenando um projeto internacional de pesquisa colaborativa para padronizar a coleta de dados. Por exemplo, documentar casos como convulsões em pacientes da Covid-19 sem histórico prévio dos episódios e novos padrões de pequenas hemorragias cerebrais.
Segundo ela, uma das descoberta surpreendentes até agora diz respeito ao caso de um homem de 50 anos cuja substância branca (partes do cérebro que conectam as células do cérebro umas às outras) foi tão severamente danificada que “basicamente o deixaria em um estado de profundo dano cerebral”.
Frontera diz que há muita dificuldade em estudar mais a fundo esses pacientes na UTI sob ventilação mecânica, e, como a maioria morre, a extensão total da lesão neurológica ainda não é bem conhecida.
Nos EUA, afirma a médica, os neurologistas estão sendo convocados para avaliar pacientes que sobrevivem ao ventilador e, muitos deles, ficam com certa confusão mental. No entanto, ainda não se sabe se o comprometimento é de longo prazo. Só o fato de estar numa UTI por muito tempo, recebendo fortes medicamentos, pode ser uma experiência desorientadora.
No Brasil os neurologistas começam a se organizar na tentativa de unificar protocolos e agrupar as manifestações neurológicas de paciente graves de Covid-19. “Vamos organizar um tábula pra reunir esses sintomas que certamente já estão acontecendo e, talvez, não estão sendo observados de forma adequada”, diz Abraham, da Associação Paulista de Neurologia.