Após 6 meses só 1 das 27 mortes no Jacarezinho teve inquérito concluído
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A operação da Polícia Civil, em maio deste ano, foi a mais letal da história fluminense.
Seis meses depois do massacre do Jacarezinho, apenas 1 das 27 mortes de civis teve investigações concluídas pela Delegacia de Homicídios e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. A operação da Polícia Civil, em maio deste ano, foi a mais letal da história fluminense.
O caso foi frequentemente lembrado na última semana, quando uma operação da PM no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, acabou com um agente e nove civis mortos, se somando a outras 43 chacinas durante ações policiais contabilizadas neste ano pelo instituto Fogo Cruzado na região metropolitana.
No episódio do Jacarezinho, as mortes de pessoas apontadas pela polícia como traficantes aconteceram em 12 ocorrências diferentes. Todas elas estão sendo apuradas pela própria Polícia Civil e por uma força-tarefa independente criada pela Promotoria.
Apenas a de Omar Pereira da Silva, 21, resultou em denúncia até agora. Ele foi alvejado dentro de um quarto de criança ensopado de sangue, numa cena que terminou estampada nos jornais. O agente Douglas Peixoto Siqueira foi acusado pela morte e remoção do cadáver, e Anderson Silveira Pereira apenas pela remoção. Eles alegam confronto.
Nesse caso, a polícia finalizou o inquérito às pressas, um dia após a acusação do Ministério Público, sem ouvir testemunhas que estavam na casa e entendendo que os fatos ainda eram inconclusivos. O primeiro laudo de necropsia da vítima também omitiu um ferimento em seu pé, desfigurado por um disparo.
A operação na favela teve mais de 5 horas de trocas de tiros. No início, um policial foi morto quando retirava uma barricada (esse inquérito também já foi concluído). Depois, agentes invadiram casas de moradores atrás de supostos bandidos, que durante a fuga pulavam lages e atiravam contra as equipes. Ao fim da tarde, ruas e casas da favela viraram um cenário de terror.
A Folha apurou que o Ministério Público está mais avançado na investigação de pelo menos mais uma ocorrência com dois homens baleados também dentro de uma residência –Isaac de Oliveira, 22, e Richard Gabriel Ferreira, 23–, na qual ainda estão sendo colhidos depoimentos.
A maior dificuldade, porém, está nas 21 mortes que ocorreram em ruas e vielas da favela, sem perícia e quase sem testemunhas. Até outubro, por exemplo, os promotores haviam tentado entrar em contato com 115 pessoas, mas apenas 44 haviam concordado em colaborar.
“O MP tem realizado oitivas, que temos acompanhado, e tem feito laudos complementares de necropsia bem mais detalhados do que os do IML [Instituto Médico Legal, subordinado à Polícia Civil]. Também deve fazer uma espécie de reconstituição virtual de um dos casos”, diz Daniel Lozoya, da Defensoria Pública, que acompanha 18 famílias de vítimas e testemunhas.
Isso significa que os promotores devem inserir num programa de computador todas as informações do inquérito, como imagens do local, marcas de disparo, tipo de armas utilizadas e ferimentos das vítimas, para confrontar as versões apresentadas pelos policiais e outros depoentes.
A Defensoria tem desconsiderado as investigações da Polícia Civil, por entender que elas contrariam decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que afirma que, sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes públicos, a apuração ficará a cargo do Ministério Público –que vai no mesmo sentido de uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2017.
“Há um problema de imparcialidade. As únicas medidas realizadas pela Delegacia de Homicídios foram para incriminar as vítimas: pesquisa de antecedentes criminais, imagens de rede social, depoimentos de parentes em que só perguntavam se eram criminosos. Não tem investigação sobre o que aconteceu”, argumenta.
A reportagem enviou uma série de perguntas sobre o andamento dos inquéritos à Polícia Civil, mas a corporação respondeu que “só irá se manifestar ao término de todas as diligências e investigações”. O Ministério Público também se limitou a dizer que os fatos seguem em apuração. Ambos não esclareceram se torturas relatadas por seis presos em audiências de custódia estão sendo investigadas.
A Folha mostrou em julho que, em 11 dos 12 inquéritos abertos, os delegados formalizaram o início das investigações escrevendo que “as circunstâncias do fato indicam uma hipótese clara de atuação em legítima defesa por parte dos policiais”, mesmo antes de apurar. Eles também “copiaram e colaram” parte dos depoimentos iniciais de 26 dos 31 agentes que registraram as ocorrências.
No caso de Omar, o relatório do inquérito da polícia mostra que os delegados ouviram como testemunhas cinco policiais que participaram da operação e a tia da vítima, que afirma que o sobrinho era traficante. Já o Ministério Público ouviu também ao menos quatro pessoas que estavam na casa onde ocorreu a morte.
No dia 14 de outubro, a Promotoria ofereceu a denúncia com base na sua apuração. No dia 15, a delegacia solicitou que uma perita comparasse os depoimentos colhidos pelos promotores aos laudos de necropsia do local da morte. Ela concluiu que eles só eram compatíveis com os relatos dos policiais.
No dia 16, a juíza Elizabeth Louro, da 2ª Vara Criminal, aceitou a denúncia contra os agentes e determinou que a Polícia Civil interrompesse as investigações. No dia 18, a delegacia terminou o relatório, questionando a credibilidade das testemunhas por terem relação de proximidade com Omar e apresentarem contradições. Por outro lado, não citou contradições também nos depoimentos dos policiais.
A denúncia do caso de Omar afirma que ele foi morto quando estava encurralado, desarmado e já baleado no pé, escondido no quarto da criança. Também aponta que os policiais inseriram uma granada no local do crime, alegaram falsamente terem recolhido uma pistola e um carregador junto à vítima e retiraram o cadáver antes da perícia.
Após a acusação, o advogado Gabriel Habib, que defende os dois policiais, rebateu que “será comprovado no curso do processo que a morte de Omar foi decorrente de anterior intensa troca de tiros entre policiais de um lado e os traficantes armados com pistolas, fuzis e granadas”.
“É muito incomum e precipitado o oferecimento de uma denúncia antes da conclusão das investigações. As investigações ainda estão acontecendo, em razão da complexidade dos fatos e da quantidade de pessoas envolvidas”, declarou o advogado na época.
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