Biodiversidade, bioprospecção e inovação no Brasil
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Biodiversidade, bioprospecção e inovação no Brasil
A química de produtos naturais sempre teve papel relevante para o desenvolvimento de fármacos, cosméticos, fragrâncias, e outros bioprodutos, dado a diversidade estrutural e grupos funcionais presentes em milhares de substâncias que compõem a biodiversidade terrestre.
Este imenso laboratório químico altamente sofisticado também desempenha um papel importante na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, especialmente por que são essas substâncias essenciais aos processos biológicos de regulação celular, comunicação química e defesa. Sob este aspecto, a biodiversidade brasileira, incluída entre as maiores do planeta é ainda pouco explorada, sendo que bioprodutos de grande impacto, capazes de gerar riqueza e contribuir para a balança econômica nacional ainda estão no plano dos desejos.
Os países desenvolvidos, mesmo não sendo grandes detentores da biodiversidade terrestre, nunca tiveram duvidas sobre a riqueza molecular escondida na natureza, exemplo disto é a quantidade de medicamentos no mercado mundial, inspirados nos produtos naturais, como antitumorais, ou fármacos para o tratamento de doenças cardíacas ou do sistema nervoso central (SNC) ou da diabetes, antinflamátorios, antivirais etc. A industria de cosméticos e fragrâncias comercializa uma quantidade significativa de produtos baseados em inovações a partir de substâncias naturais, exemplo recente é um derivado semissintético produzido a partir de ácido jasmônico, extraído do óleo de jasmim e utilizado em creme antiidade e muitos outros produtos imprescindíveis para a melhora da qualidade de vida humana. Isso tem contribuido para a economia de países detentores das inovações oriundas da biodiversidade que, em muitos casos, está geograficamente situada além de suas fronteiras.
O Brasil, detentor de uma das maiores riquezas naturais do planeta, não pode se orgulhar de uma bioeconomia vigorosa e baseada em inovações a partir da sua rica biodiversidade – uma fábrica natural sofisticada de substâncias de classes diversas e estruturas químicas inusitadas que teria, se bem aproveitada, um potencial enorme para inovações radicais e incrementais para os setores de fármacos, cosméticos, fragrâncias, agroquímicos e suplementos alimentares.
Nos últimos 15 anos, muitas discussões, tanto do lado acadêmico quanto empresarial, foram levantadas, convergindo a um mesmo consenso: o atraso em inovações a partir de produtos naturais e derivados oriundos da nossa rica biodiversidade deveu-se, em parte, aos entraves burocráticos causados pela edição, em 2000, da Medida Provisória (MP) 2050, reeditada como MP-2186 – 16/2001, pelo governo federal, referente ao acesso ao patrimônio genético, aos saberes tradicionais, proteção e à repartição de benefícios. Naquela época, a MP foi a resposta do governo ao apelo de setores significativos da sociedade frente às denúncias levantadas na época, devido ao contrato firmado entre uma multinacional e o Centro de Pesquisa da Amazônia, julgado inapropriado na equidade das partes envolvidas, em prejuízo do lado brasileiro!
Como pesquisadora, atuando na área da química de produtos naturais há 40 anos, vivenciei os problemas que a MP causou aos pesquisadores que atuam na química de produtos naturais, farmácia, farmacologia e áreas correlatas durante esse tempo. Sempre fui defensora de uma lei que fosse capaz de proteger nossas riquezas naturais – um legado que, além de ser motivo de orgulho para o país, deve ser defendido. No entanto, uma lei que dificultava as pesquisas sobre nossa diversidade bio
lógica e química, atrasando a geração de conhecimento sobre os nossos biomas e organismos, me levaram a participar ativamente de várias discussões em Brasília e escrever vários textos, especialmente quando o programa Biota, de mapeamento da biodiversidade paulista, foi lançado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em 1998, e juntamente com colegas das três universidade públicas paulistas (Unesp, USP e Unicamp), do Instituto de Botânica (IBt) e da Universidade Federal do Ceará (UFC) iniciamos o projeto temático Bioprospecção de plantas do Cerrado e da Mata Atlântica do estado de São Paulo.
Diante das limitações da pesquisa de bioprospecção, ou dos entraves decorrente da PM, após a sansão da Lei nº 13.123, em 20 de maio de 2015, pela presidente Dilma Rousseff, não me via capaz de emitir comentários que, mesmo com pontos ainda controversos, beneficia os cientistas e principalmente setores industriais que exploram produtos a partir da biodiversidade. Mas, diante de fatos históricos e da situação atual, é possível perceber que a Lei de Acesso à Biodiversidade não é o maior entrave para que o setor industrial desenvolva inovação com ativos da biodiversidade. É preciso que as inúmeras discussões e seminários acadêmicos e empresariais sobre bioeconomia possam incentivar os setores acadêmicos, governamentais e empresariais a montarem uma agenda para inovação industrial baseada em produtos naturais e derivados a partir da nossa biodiversidade.
As primeiras descobertas de bioprodutos da biodiversidade brasileira datam de 1533, quando os portugueses aqui chegaram. Os novos conquistadores, na busca por espécies de plantas para exploração econômica, descobriram a Caesalpinia echinata, o pau-Brasil, uma fonte de corante vermelho (brasilina, brasilidina) valiosa, o primeiro exemplo de produtos naturais de valor agregado mas que não trouxe qualquer impacto econômico ao país, restando-nos apenas herdar o nome Brasil para a terra recém-descoberta. Inúmeros outros exemplos dariam algumas páginas escritas, mas destaco a Chondro-dendron tomentosa, Menispermaceae. Uma das espécies de curares conhecidas da Amazônia. A tubocurarina, um dos alcaloides isolados desta espécie usada pelos indígenas, inspirou o desenvolvimento de uma classe de coadjuvantes anestésicos: o derivado sintético Atracurium (®Tracurium) é outro exemplo que mostra que o país não logrou divisa econômica. Nos anos 1960, pesquisas realizadas pelo professor Sergio Ferreira sobre venenos da cobra Bothrops jararaca, resultou no peptídeo bradiquinina, um inibidor da enzima conversora da angiotensina. O Captopril, um medicamento mundialmente consagrado, foi planejado por um sofisticado estudo de química medicinal a partir da bradiquinina.
Voltando aos dias atuais, especialmente depois da sansão da Lei de Acesso ao Patrimônio Genético, pela presidente Dilma, tenho participado de vários seminários, onde a discussão gira em torno da bioeconomia e, portanto, do potencial econômico que a nossa rica biodiversidade pode render ao país e do entusiasmo mostrado por pesquisadores e gestores sobre a inovação com base na biodiversidade brasileira. Tendo me dedicado à pesquisa sobre os produtos naturais, não tenho qualquer duvida sobre o valor científico desta área para promover inovação tecnológica e riqueza econômica e social. No entanto, a industrialização de bioprodutos a partir de moléculas extraídas da biodiversidade é, como toda inovação, um processo complexo e de risco. Na explosão de biodiversidade, como bem comentou em várias matérias o jornalista Marcelo Coelho, há uma tarefa árdua de pesquisa e garimpo visando a viabilização de produtos. A natureza é uma fonte de inspiração, mas como reproduzir, em escala comercial, moléculas de alta complexidade? Como domesticar plantas nativas pouco investigadas, como as dos ambientes tropicais e equatoriais? São questões importantes e, muito embora o setor industrial brasileiro venha se modernizando, incorporando pesquisa em seus portfólios, estas pesquisas ainda são muito tímidas e o setor não é afeito ao risco. Com isso, temos contabilizadas, nos últimos 30 anos, ainda poucas inovações oriundas da rica diversidade biológica brasileira, mesmo com o avanço científico alcançado pelo país – na química, farmacologia, química farmacêutica e biologia molecular – e com todos os esforços do lado empresarial. Nossa biodiversidade segue sendo um desafio instigante para os que acreditam na bioeconomia como força propulsora da indústria nacional.
Vanderlan da S. Bolzani
Professora titular do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), vice-presidente da SBPC e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
Texto originalmente publicado na seção tendências da revista Ciência e Cultura da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, edição janeiro/março/2016:
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252016000100002&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
Texto de Vanderlan da S. Bolzani, vice-presidente da SBPC e professora da Unesp