Brasileiros disputam final do surfe na Califórnia após temporada atípica e histórica
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Brasileiros disputam final do surfe na Califórnia após temporada atípica e histórica
Gabriel Medina só quer fazer o seu melhor, deixando o resto com o mar
O plano de Tatiana Weston-Webb é se divertir nas águas de Lower Trestles. Nas tradicionais ondas da cidade de San Clemente, na Califórnia, nos Estados Unidos, Italo Ferreira se vê no “maior playground do mundo”. Filipe Toledo pretende surfar “com felicidade”. E Gabriel Medina só quer fazer o seu melhor, deixando o resto com o mar.
Não falta verdade nas palavras dos brasileiros, mas o esforço pela leveza não disfarça sua ansiedade e sua sede de competição. Eles estão na disputa pelo título da Liga Mundial de Surfe (WSL, na sigla em inglês), e levantar o troféu de um campeonato realizado em formato inédito seria enorme recompensa em uma temporada difícil, construída também sob condições inéditas.
Após o cancelamento da turnê em 2020 por causa da pandemia de Covid-19, a competição de 2021 foi realizada em situações ainda bastante desafiadoras ligadas ao novo coronavírus. Houve etapas adiadas, outras com o local alterado e ainda algumas simplesmente retiradas do calendário, como ocorreu com o torneio que ocorreria em Saquarema, no Rio de Janeiro.
Cumprindo protocolos rígidos e se submetendo a itinerários que chegaram a deixá-los mais de três meses seguidos fora de casa, os atletas conseguiram participar de 7 dos 12 eventos previstos na fase de classificação. Os cinco melhores do ranking masculino e as cinco melhores do feminino agora disputam o título em uma etapa derradeira, no formato mata-mata.
A janela para as baterias em Lower Trestles se estende desta quinta-feira (9) até a sexta-feira da próxima semana (17). A organização observará as condições do mar e definirá quando terão início os embates, o que já poderá ocorrer a partir das 11h30 (de Brasília) desta quinta, com transmissão gratuita no site da WSL e exibição também no Fox Sports.
No masculino e no feminino, a disputa começará com uma bateria entre o quarto e o quinto colocado do Mundial. O vencedor desse duelo pegará o terceiro lugar pelo direito de enfrentar o segundo. Quem triunfar nesse confronto semifinal brigará pelo troféu com o atual líder do ranking em uma decisão em melhor de três baterias.
Gabriel Medina, portanto, já está na final. O campeão de 2014 e 2018 disparou na primeira colocação com uma regularidade impressionante e já estaria com o tricampeonato na mão se o regulamento fosse o adotado anteriormente. Ele não esconde algum desconforto com o novo formato, porém procura se manter otimista.
“Foi um ano superconstante. Para mim, o que faz mais sentido é o cara que mais tem essa constância ser o campeão, independentemente de ser eu agora ou o cara que estiver no meu lugar em outra ocasião”, afirmou o paulista de 27 anos, que, como os demais brasileiros aspirantes ao título, conversou com a Folha às vésperas do torneio.
“É muito difícil se manter mentalmente forte, passando por vários lugares, várias situações, vários tipos de onda. Mas, enfim, é um teste que estão fazendo. Agora, é tentar aproveitar, porque vai dar altas ondas. É tentar pensar positivo. Que o melhor vença, e que Deus abençoe a gente com altas ondas”, acrescentou.
Com 43.400 pontos, Medina foi à final com grande vantagem sobre Italo Ferreira, que contabilizou 31.660 e ficou em segundo. Defendendo o título obtido em 2019 e com o moral de quem conquistou há pouco mais de um mês a primeira medalha de ouro do surfe nos Jogos Olímpicos, o potiguar de 27 anos chega a Trestles com a possibilidade de concluir uma temporada histórica.
“Acho que finalizar o ano com mais um título do mundo seria o ano perfeito da minha vida. Já entreguei nas mãos de Deus, e seja feita a vontade Dele. Tenho me dedicado muito, não parei até agora e não vou parar até alcançar. Estou no jogo, estou na batalha, e a oportunidade está aí. Estou aqui para agarrar com todas as minhas forças”, declarou.
Completa a trinca de brasileiros na briga pela taça masculina Filipe Toledo. Terceiro colocado do ranking, o paulista de 26 anos espera o vencedor do confronto entre o norte-americano Conner Coffin e o australiano Morgan Cibilic. Se triunfar na estreia, garantirá mais um título mundial ao Brasil, deixando a briga pela glória totalmente verde-amarela.
“O negócio é deixar a taça no Brasil. Não pode deixar escapar. A gente tem uma oportunidade muito grande. Eu, por exemplo, tenho me dedicado muito, trabalhado muito, treinado muito para este momento. Então, vou dar meu melhor para tentar levar o troféu. Se não for a minha vez, tenho certeza de que o Gabriel ou o Italo vai buscar. Vai ser show de surfe”, vibrou.
Quem também busca o título pela primeira vez é Tatiana Weston-Webb. A gaúcha de 25 anos teve sua melhor temporada no circuito e concluiu a fase de classificação em segundo lugar. Assim, terá de vencer a semifinal (contra a australiana Sally Fitzgibbons, a também australiana Stephanie Gilmore ou a francesa Johanne Defay) pelo direito de decidir o Mundial contra a havaiana Carissa Moore.
“Eu estou grata por este momento, por estar surfando, fazendo meu trabalho, supergrata mesmo, sabe? Porque eu sei que a maioria do mundo não está no mesmo lugar. Para mim, foi só aproveitar cada momento”, disse a brasileira, que vai tentar manter essa mentalidade na Califórnia. “Se eu começo a colocar muita pressão em mim, não funciona muito bem. Então, só quero aproveitar.”
Confira as entrevistas com os brasileiros na luta pelo título mundial:
PERGUNTA – Você declarou, após o segundo lugar na etapa do Surf Ranch, que estava exausto e só queria ir para casa. Depois disso, ainda teve a disputa olímpica e a decepção com o resultado lá. Já conseguiu recuperar a energia?
GABRIEL MEDINA – Sim. Eu estava muito cansado na piscina de ondas do Kelly [Slater]. Tinha viajado três meses, e ficar fora de casa, vivendo neste mundo de competição, não é fácil. Foi um segundo lugar forçado, porque eu já estava exausto.
PERGUNTA – Apesar do cansaço, você teve um desempenho histórico e está na final. Prefere que o adversário seja um brasileiro ou isso é indiferente?
GABRIEL MEDINA – Ah, tanto faz quem vai para a final comigo. Provavelmente, vai ser uma final brasileira, pelos resultados, pela constância, pela maneira de que o pessoal reage nas baterias. Acho que vou enfrentar um brasileiro, e, como sempre, vai ser difícil. Mas meu trabalho eu fiz, eu me preparei do melhor jeito possível.
PERGUNTA – Você já começa a etapa na final, o que é muito distinto do que ocorre normalmente. Existe uma estratégia diferente por você já ter que começar a disputa no mais alto nível?
GABRIEL MEDINA – Eu me preparo como se fosse um dia de final em outro evento. A ansiedade é um pouco maior, mas as ações e as decisões são as mesmas: não errar, não falhar e ser objetivo. Esse é meu foco. E é sem muita estratégia, na verdade, no sentido de quem eu vou enfrentar. Quero ir para a água e fazer o meu melhor. Eu treinei, eu me esforcei e espero ser recompensado com mais um título mundial.
Para Italo, um brasileiro puxa o nível do outro
PERGUNTA – O Brasil, que já foi campeão com o Gabriel Medina (2014 e 2018), com o Adriano de Souza (2015) e com você (2019), vai fazendo mais um ano histórico. O bom clima que a gente vê entre os brasileiros nas disputas ajuda nos resultados?
ITALO FERREIRA – A galera realmente se respeita bastante, um puxa o nível do outro, e isso é legal. Para quem admira, é um espetáculo ver nós três tentando a vitória. A gente puxa o nível e leva o surfe para outro patamar.
PERGUNTA – É fácil balancear a amizade e a competitividade com o Gabriel e o Filipe?
ITALO FERREIRA – São caras que eu admiro bastante. Mas, quando entra na água, a gente quer fazer nosso melhor e acaba deixando de lado as outras coisas. É um esporte individual, então a gente tem que focar no que tem que ser feito. É o que penso: na água, sou seu. No caso, sou eu contra eu mesmo, é minha mente contra minha mente. Se eu consigo controlar isso, consigo fazer qualquer coisa. E, se eu consigo fazer qualquer coisa, consigo vencer qualquer um. Então, é manter esse flow, essa energia, que é o que pode me trazer a vitória.
PERGUNTA – Você gostou do novo formato do campeonato?
ITALO FERREIRA – É algo novo para todo o mundo, vamos viver pela primeira vez. Mas é só quebrar, só surfar e aproveitar o momento entre dois caras na água, no melhor playground do mundo. Acho que vai ser incrível, meus equipamentos estão bons. Isso me deixa confiante para que eu possa fazer as melhores notas e pegar as melhores ondas.
Filipe volta a sorrir e se vê muito vivo na briga
PERGUNTA – Você passou por momentos difíceis em anos anteriores e chegou a falar em depressão. Neste ano, parece estar em outro momento mental, sorrindo e tendo ótimo desempenho. Como foi essa mudança?
FILIPE TOLEDO – Foram dois anos bem difíceis, psicologicamente falando. Neste ano, cara, eu ainda comecei me questionando um pouco, duvidando um pouco, mas eu já consegui superar isso, foi um ano muito feliz para mim. Estou me sentindo bem, tenho trabalhado com pessoas incríveis. E, quando a gente está do lado da família e dos verdadeiros amigos, isso ajuda muito. Tem sido maravilhoso. Aquela fase serviu de aprendizado, vou levar para a minha vida toda.
PERGUNTA – Essa alegria se viu na interação com os companheiros. O clima entre os brasileiros do circuito foi ainda melhor neste ano do que costuma ser?
FILIPE TOLEDO – Cara, foi demais, porque a gente estava havia um tempão sem se ver, todo o mundo trancado dentro de casa. Aí, quando a galera se viu, estavam todos querendo liberar aquela energia. Foi totalmente diferente de todos os anos em que eu competi. Foi muito legal fazer parte disso, ter meus amigos lá quando eu venci, estar lá quando meus amigos venceram. Deu para ver que o surfe é realmente diferenciado.
PERGUNTA – Sorrindo, você se colocou na briga pelo título. Agora, prefere pensar que a taça está ali, ao alcance, ou é melhor apenas se divertir na água?
FILIPE TOLEDO – Eu acho que é um pouquinho dos dois. É levar o mais a sério possível, prestar atenção em tudo o que está acontecendo, mas, ao mesmo tempo, saber aproveitar esse processo, saber fazer as coisas com facilidade. E é o que estou fazendo. Graças a Deus, vou estar com minha família completa neste campeonato, vai estar tudo da maneira que imaginei. Então, agora, minha preocupação é não cair, só isso. Porque eu sei pegar onda, tenho capacidade, tenho talento. A chance apareceu? Vou fazer. É só não cair agora.
Tatiana cresce após reinventar sua técnica
PERGUNTA – Você começou o ano dizendo que havia reformulado seu surfe e agora briga pelo título. O resultado foi o que você buscava?
TATIANA WESTON-WEBB – O ano passado foi bem diferente. Como não teve tour, eu tive muito mais tempo para trabalhar nos meus equipamentos, trabalhar com meu técnico [Ross Williams], que me ajudou bastante e me passou confiança para jogar o jogo, sabe? A gente teve um plano bem específico, que funcionou muito bem. Estou em segundo lugar no mundo, indo para as finais. Foi bem legal, porque tive tempo para trocar pranchas, técnicos, e consegui aproveitar.
PERGUNTA – Está pronta para conquistar seu primeiro título?
TATIANA WESTON-WEBB – Sim, estou pronta. Meu surfe está só melhorando. Ninguém fica nessa posição de brigar para ser campeão mundial em um dia. Então, agora estou só querendo aproveitar o momento e surfar bem. Vou chegar ao dia de disputa com um plano bem específico e seguir esse plano.
PERGUNTA Você entra na disputa em uma semifinal. Isso exige uma preparação diferente?
TATIANA WESTON-WEBB – Com certeza, porque ninguém nunca competiu nesse formato. Qualquer pessoa tem chance de ganhar o título, isso já diz tudo. Então, como falei, vou aproveitar o momento e me divertir. Claro, isso não quer dizer que eu não esteja me preparando. Eu estou me preparando, surfando Lowers todo dia e me alimentando bem para estar 100%.
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