Educação & Cultura

Casos de violência e ameaças aumentam 48% em escolas de São Paulo


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Desde o começo deste ano, docentes deixaram de ter os 15 minutos de descanso, porque precisam estar com os adolescentes para evitar brigas.


Quando toca o sinal para o recreio, Maria segue para o pátio junto com os alunos. Antes da pandemia de Covid-19, no intervalo, ela ia para a sala dos professores tomar café e conversar com os colegas. Mas, desde o começo deste ano, docentes deixaram de ter os 15 minutos de descanso, porque precisam estar com os adolescentes para evitar brigas.

Maria, que pediu para não ter seu nome completo e o da escola identificados por medo de represálias, dá aula na rede estadual de São Paulo há mais dez anos. Ela conta nunca ter visto os alunos tão agressivos e violentos como neste ano, desde que voltaram a ter aulas presenciais todos os dias.

O aumento da violência na escola de Maria não é isolado. Segundo dados da Secretaria da Educação de São Paulo, nos dois primeiros meses de aula deste ano, foram registrados 4.021 casos de agressões físicas nas unidades estaduais –48,5% a mais que no mesmo período de 2019, último ano em que os alunos frequentaram as aulas presenciais todos os dias.

Em média, são 108 ocorrências apenas de agressão física a cada dia letivo nas quase 5.000 escolas da rede de ensino paulista. Os dados são do Placon (Plataforma Conviva), sistema em que são registradas as ocorrências escolares.

Houve ainda aumento de 225% nas ocorrências de ação violenta provocadas por grupos ou gangues nas escolas. Até o último dia 24, foram 221 registros do tipo neste ano, contra 68 no mesmo período de 2019.

Também houve crescimento de 52% de ocorrências de ameaça e de 77% de casos de bullying nas escolas estaduais em relação a 2019.
Ainda que não haja dados oficiais sobre o aumento da violência em escolas particulares, professores e especialistas da área relatam também perceber maior agressividade e problemas de convivência entre alunos da rede privada.

Para eles, o aumento da agressividade é consequência do afastamento das crianças e adolescentes da escola nos últimos dois anos e dos problemas que enfrentaram em casa nesse período.

“A desorganização da rotina nos últimos dois anos afetou a todos em diferentes níveis. O cérebro humano para se adaptar a essas modificações entra em estado de alerta, o que gera estresse e ansiedade”, diz Gustavo Estanislau, psiquiatra especialista em infância e adolescência.

“Se nós, adultos, tivemos dificuldade para lidar com essas mudanças, imagine para crianças e adolescentes com menos tempo de vivência e ferramentas emocionais. Viver tanto tempo nesse estado de estresse gera consequências que não vão desaparecer rapidamente”, completa Estanislau, que é também pesquisador do Instituto Ame sua Mente.

Para a educadora Hanna Danza, doutora em psicologia da educação pela USP, ainda que todos tenham sofrido com as mudanças dos últimos dois anos, a volta presencial à escola colocou juntos alunos que vivenciaram o período de formas diferentes. O que aumenta a dificuldade de convivência.

“Tem adolescentes que gostaram de ficar mais em casa por serem mais tímidos, outros que sofreram por estar longe dos amigos. Houve quem vivenciou situação de violência doméstica, quem perdeu um parente, quem passou a ter problemas financeiros e passou fome. São situações muito diversas e todos esses traumas se encontram agora na escola, cada um com uma forma de processá-los”, diz.

A dificuldade de conviver com essa diversidade de experiências, sofrimentos e traumas durante a pandemia tem sido percebida pelos professores no comportamento mais agressivo e intolerante dos alunos.

Professores de escolas públicas e particulares relataram à reportagem que têm passado mais tempo das aulas resolvendo conflitos entre os alunos. Eles contam também que os alunos estão mais indisciplinados com as tarefas e postura normalmente exigida em sala de aula.

“Antes, eu entrava em sala e os alunos sabiam que precisavam estar sentados para a aula começar. Agora, gasto 15 minutos insistindo para que se sentem, arrumem o material. Muitos respondem atravessado. É como se eles ainda estivessem com a postura do ensino remoto, em que podiam ficar deitados na cama, com a câmera desligada”, diz Thiago Assis, professor de uma escola particular da zona norte da capital. Ele pediu para que o nome da unidade não fosse informado.

Um mapeamento feito pelo Instituto Ayrton Senna em escolas estaduais mostrou que mais de 60% dos alunos, de 642 mil ouvidos, relatam ter sentido uma piora na tolerância ao estresse. Mais de 50% deles também disseram se sentir menos focados.

“O que vivemos nesses dois anos foi muito sério, vivemos uma crise humanitária mundial com consequências graves, especialmente, aos mais jovens. Agora, não podemos botar todos na escola e esperar que tudo volte ao normal”, diz Telma Vinha, professora do Departamento de Psicologia Educacional da Unicamp.

Ela coordena o Gepem (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral) e diz receber semanalmente pedidos de escolas particulares para ajudar a elaborar estratégias para lidar com a violência. “Não conseguimos atender nem 95% dos pedidos, porque são muitos. É um problema generalizado.”

Para Vinha, o problema é a falta de políticas públicas para enfrentar o aumento da violência nas escolas. Segundo ela, as ações apresentadas pela Secretaria da Educação paulista são mais voltadas para a recuperação de aprendizagens do que para os problemas socioemocionais enfrentados pelos estudantes.

“Se quisermos que esses jovens aprendam, precisamos antes lidar com essas feridas que foram abertas na pandemia. Não adianta focar o conteúdo quando eles estão com sofrimentos que não sabem lidar”, diz.

Nos Estados Unidos, o Departamento de Segurança Interna elaborou um documento para ajudar as escolas a mitigar as ameaças de violência nas escolas. Ele elenca, por exemplo, como os professores podem identificar sinais de estudantes em sofrimento, que possam ter ideações suicidas ou que possam oferecer risco aos demais. Também dá orientações do que fazer nesses casos.

Para ela, as escolas precisam de ajuda especializada para criar ações intencionais no desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Como estabelecer espaços e tempos regulares para que conversem sobre sentimentos e problemas de convivência.

Também diz que os professores precisam de formação e apoio socioemocional para lidar com a situação atual.

Henrique Pimentel, chefe de gabinete da Secretaria da Educação, diz que a pasta está preocupada com a escalada de violência nas escolas. “Quando planejamos o retorno presencial, a gente sabia que os impactos não seriam só educacionais e emocionais. Mas não podíamos prever que seria desse tamanho. O que está acontecendo não é uma situação isolada, mas no estado inteiro, está disseminado.”

Segundo ele, a aposta da secretaria para ajudar a diminuir os níveis de violência é a prevenção, por meio do programa Conviva, que prevê ações para tornar as escolas mais acolhedoras. Pimentel diz que os professores estão recebendo formação e contam com o apoio de profissionais da área da saúde do programa Psicólogos da Educação para lidar com situações específicas que podem ocorrer com os alunos.

“Estamos investindo na formação de professores para que eles tenham insumos para trabalhar com os estudantes nesse momento tão adverso. Precisamos cuidar dos professores para que possam cuidar dos alunos”, diz.

| IDNews® | Folhapress | Via NMBR |Brasil

Beto Fortunato

Jornalista - Diretor de TV - Editor -Cinegrafista - MTB: 44493-SP

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