Gastronomia & Saúde

Churrasco brasileiro precisa ser mais que boa cópia do americano, diz criador do Churrascada


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 No próximo sábado (6), 3.000 pessoas vão se reunir em um complexo de galpões da avenida Henry Ford, na Mooca, para comer churrasco até cansar.

O endereço, mantido em segredo e divulgado pela Folha em primeira mão, foi escolhido como palco da sétima edição do evento Churrascada em São Paulo. Os ingressos –a R$ 550 e que dão direito a comida e bebida à vontade– foram vendidos em abril e se esgotaram em apenas 36 horas.

Como já acontece desde 2015, o american barbecue, técnica mais bombada entre os amantes de churrasco, promete ser uma das tônicas do evento. A estrela maior será o pitmaster norte-americano Ed Mitchell, que acaba de entrar para o cobiçado Barbecue Hall of Fame.

Mas quem reparar direitinho vai ver que novos ventos estão soprando as brasas da Churrascada, uma tendência que já era visível nas últimas edições e aparece reforçada este ano.
Estarão lá Antônio da Conceição, conhecido como Playboy, preparando a tradicional carne de fumeiro de Maragogipe (BA), no Recôncavo Baiano, e o gaúcho Fabricio Goulart, assando shoulders no churrasco de vala, método secular que resiste nos pampas.

Maíco dos Santos, trazido de Alter do Chão (PA), foi encarregado de exibir a piracaia amazônica, peixe assado em moquém –pela primeira vez, pescados tiveram entrada permitida na Churrascada.

E o paulistano Paulo Yoller vai preparar cordeiro e porco no biaribi, técnica indígena na qual o alimento é cozido em uma cova, envolto em folha de bananeira.

Para elaborar o cardápio com acento brasuca, Gustavo Bottino, criador do festival, aproveitou a interrupção do evento durante a pandemia para mergulhar na pesquisa de técnicas dos povos originários das Américas, muitas delas temperadas pelas influências africanas.

“Acho que essas técnicas têm potencial de virar uma nova onda. Está na hora de encontrarmos uma identidade brasileira para o churrasco”, defende.

Entre assadores, Bottino tem fama de ser justamente um dos principais responsáveis pela moda do american barbecue por aqui. De 2012 a 2016, ele comandou o restaurante BOS BBQ, na Vila Madalena, e apresentou ao paulistano o então chamado churrasco texano.

Nessa técnica, os cortes são assados pela ação indireta do fogo em churrasqueiras especiais, os pit smokers. Quem faz o serviço é uma combinação de fumaça e calor gerado pela lenha ou carvão.

O resultado é um tipo de churrasco bem peculiar, como explica o paraense Edvaldo Caribé, autor do livro “O Barbecue Brasileiro – do Moquém ao Pit Smoker” (editora Lettera).

“A característica do american barbecue é a crosta escura e caramelizada, diferente da coloração mogno do churrasco brasileiro, fruto do contato direto com o fogo.”

O que pouca gente sabe é que o churrasco americano e as nossas técnicas ancestrais têm a mesma origem. “Embora o barbecue seja o símbolo da cultura dos Estados Unidos, suas raízes estão fortemente ligadas aos povos indígenas das Américas Central e do Sul”, diz Caribé.

Nos primórdios, tanto lá como aqui, carnes e peixes eram assados sobre estruturas suspensas de madeira –o moquém, ou barbacoa, cujo princípio também é o preparo na fumaça, sob ação indireta do fogo.

Não foi diferente no sul do país, onde os guaranis comiam churrasco malpassado, para desespero dos jesuítas, que temiam contaminação por vermes.

“O máximo que os nativos faziam era colocar alguns pedaços de carne em cima de uma espécie de grelha chamada môcaêta. Na prática, não assavam, mas defumavam a refeição”, explica Clarice Chwartzmann, coautora de “Os Gaúchos e o Churrasco – Uma Jornada ao Redor do Fogo” (editora. Quattro Projetos).

A diferença é que norte-americanos investiram tanto na evolução do método de defumação que chegaram ao atual pit smoker, equipamento luxuoso que permite controle preciso de temperatura e circulação de fumaça, com formato similar ao de um barril transformado em churrasqueira.

Aqui, o caminho foi outro: o churrasco que se popularizou nos centros urbanos foi o gaúcho dos espetos, devidamente adaptado para a rotina moderna.

“O churrasco de fogo de chão, feito com cortes enormes, leva de 4 a 12 horas para ficar pronto. À medida em que o mercado passou a oferecer cortes menores, que podem ser assados rapidamente em contato direto com o fogo, a cultura foi mudando”, explica Clarice.

Enquanto isso, as técnicas mais rústicas, do churrasco assado sob defumação, que exige espaço e paciência, ficaram restritas a culturas regionais.

“O moquém foi desprezado pelos colonizadores, mas vejo que, aos poucos, está despertando interesse no mundo do churrasco”, festeja Caribé, que não perde a oportunidade de montar moquéns nos eventos gastronômicos para os quais é convidado.

Ninguém defende que assadores brasileiros lacrem seus caros pit smokers e voltem a usar estruturas rudimentares de madeira para defumação –pelo contrário.

Encontrar uma identidade brasileira para o churrasco não depende apenas da técnica. Vale até usar o pit smoker americano, que afinal funciona tão bem, mas com sabores nossos, dos temperos e acompanhamentos ao tipo de lenha.

Quer um exemplo? Na Churrascada, a dupla Tatá Lowrider e Walter Amaral vai servir brisket, o corte mais famoso do american barbecue, mas com jambu e tucupi.

Para Bottino, é só questão de virar a “chavinha”. “O Brasil tem muito craque e está mais do que na hora de deixarmos de ser um país que apenas soube copiar bem o churrasco norte-americano. Agora é a vez do brazilian barbecue.”

| IDNews® | Folhapress | Via NMBR |Brasil

Beto Fortunato

Jornalista - Diretor de TV - Editor -Cinegrafista - MTB: 44493-SP

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