Com alta de preços e crédito escasso, cresce procura por carros ‘velhinhos’
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As vendas de carros usados com até dez anos (chamados de seminovos e jovens usados) caiu de 63,7% do total das vendas, em 2019, para 51% no ano passado
ECONOMIA - Carros usados são valorizados diante dos preços abusivos dos novos
Automóvel zero quilômetro muito caro, juros altos e crédito escasso intensificaram um movimento que já vinha ocorrendo no mercado brasileiro: o aumento na procura por modelos usados. E, dentro desse segmento, cresce também o deslocamento da demanda para carros bem mais rodados, com mais de uma década de uso.
Essa mudança ganhou impulso nos últimos quatro anos. As vendas de carros usados com até dez anos (chamados de seminovos e jovens usados) caiu de 63,7% do total das vendas, em 2019, para 51% no ano passado. Já a participação dos carros acima de dez anos nesse mercado passou de 36,3% para 49% nesse período.
A faixa que mais perdeu consumidores foi a de carros com 4 a 7 anos, que caiu de 30,7% das vendas totais de usados para 19,8%. A que mais ganhou foi a de 11 a 15 anos, que saltou de 17,8%, em 2019, para 25,5% no ano passado, segundo dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).
Nos primeiros três meses deste ano, automóveis acima de 13 anos corresponderam a 21,8% das transferências de propriedade, que somaram 3,36 milhões de unidades, conforme dados da Federação Nacional das Associações dos Revendedores de Veículos Automotores (Fenauto).
“O que está ocorrendo prova que o poder aquisitivo dos consumidores caiu e que muitos não conseguem mais chegar ao carro novo, e há também o deslocamento nas faixas dos usados”, diz o presidente da Fenabrave, José Andreta Junior. Ele ressalta que automóveis mais velhos são menos seguros, poluem mais e muitas vezes são responsáveis por congestionamentos, ao quebrarem no meio das vias públicas.
BOM NEGÓCIO
Adepto ao uso da motocicleta, o cinegrafista Thiago Francez, de 36 anos, decidiu comprar um automóvel há cerca de dois anos após se casar. Sem condições de partir para um modelo mais novo, adquiriu um Fiat Uno Mille 1996 por R$ 6,5 mil. “Foi um bom negócio, o carro não dá muito problema”, diz ele, que mora em Campo Limpo Paulista, na Grande São Paulo.
Francez conta que conseguiu pagar o carro à vista, sem precisar parcelar ou recorrer a financiamento. Atualmente, ele procura um modelo mais novo, de preferência com 10 anos de uso, na faixa de preço de R$ 22 mil. “Queremos um carro com um pouco mais de conforto, como ar-condicionado e vidros elétricos.”
Responsável pela intermediação de quase 20% de todos os negócios de carros usados feitos no País, a plataforma de vendas OLX confirma o movimento. “A busca por veículos com mais de nove anos vem crescendo bastante e, hoje, representa cerca de 60% das consultas na plataforma; antes era bem menos”, afirma Flávio Passos, vice-presidente de Autos e Comercial da OLX.
A migração, diz ele, primeiro ocorre do zero para o seminovo – movimento visto principalmente em 2021, quando houve falta generalizada de chips, e as montadoras tiveram de paralisar a produção, o que resultou na falta de modelos novos nas lojas.
Em paralelo, houve a perda do poder aquisitivo da população, e a busca também se movimentou para modelos mais velhos, “muito mais acessíveis”, na opinião de Passos.
Estudo do Data OLX Autos divulgado em fevereiro mostra que o preço médio dos veículos na faixa dos 14 anos é de R$ 17,8 mil. Os dois carros zero-quilômetro mais baratos atualmente no mercado, o Renault Kwid e o Fiat Mobi, custam, respectivamente, R$ 68,2 mil e R$ 69 mil.
BASE MAIOR. O superintendente de varejo do Banco BV, Jamil Ganan, diz que a instituição é uma das poucas, se não a única, que financia carros com até 25 anos de uso. “O grosso do financiamento, contudo, é na faixa dos 8 aos 14 anos”, informa. O BV tem cerca de 5 milhões de clientes pessoas físicas e jurídicas e, segundo Ganan, registra índices de inadimplência abaixo da média do mercado, que costumava ficar na casa dos 2% e atualmente está em 5,4%.
Enilson Sales, presidente da Fenauto, pondera que a classificação da entidade para os usados vai dos modelos com até 3 anos (seminovos), de 4 a 7 anos (usados jovens), de 8 a 12 anos (usados maduros) e acima de 13 anos (velhinhos), ou seja, as três primeiras têm intervalos de três anos, enquanto a última parte de 13 anos “até o infinito”. “Ou seja, os velhinhos estão vendendo muito em volume, mas a base é maior do que a dos demais.”
CARRO POPULAR
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite, credita boa parte da queda das vendas de modelos novos aos juros altos e avalia que, em razão disso e da restrição dos bancos na concessão de crédito, o consumidor está buscando o mercado de usados e modelos e com 10 anos de uso ou mais.
Esse é um dos temas que um grupo formado por Anfavea, Fenabrave e outras entidades do setor começou a discutir com o Ministério da Indústria, com a intenção de convencer o governo a criar um programa para a volta do carro popular – hoje chamado de carro de entrada.
O mercado de veículos novos está estacionado na casa de 2 milhões de unidades há 8 anos. O setor vê na possibilidade de ressuscitar a produção de um modelo de baixo custo chances de recuperar vendas e de reduzir a ociosidade das fábricas, hoje de 40%.
| IDNews® | Beto Fortunato | Via Jornal “O Estado de São Paulo” | Via NBR | Brasil