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Documentos inéditos de João Goulart revelam pedidos de conspiradores


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Documentos inéditos de João Goulart revelam pedidos de conspiradores

| IDNews® | Porto Alegre | Folhapress | Via Notícias ao Minuto |Brasil|

Os documentos inéditos permaneceram guardados em duas malas durante meio século

IDN – João Goulart

Pedir era o verbo mais declinado então. A frase do livro “A Memória e o Guardião”, de Juremir Machado da Silva, sintetiza o conteúdo de 927 correspondências recebidas, despachos e relatórios do ex-presidente João Goulart (1961-1964).

Os documentos inéditos permaneceram guardados em duas malas durante meio século. O livro resgata o conteúdo das cartas recebidas por Jango, deposto pelos militares no golpe que instaurou a ditadura no país (1964-1985).

O assessor de Jango, Wamba Guimarães, era responsável por encaminhar ofícios, relatórios e memorandos. Também gaúcho –de Uruguaiana, enquanto Jango nasceu em São Borja–Guimarães manteve em segredo o material, que foi guardado por sua família.

Cinco décadas mais tarde, o conjunto foi acessado por Silva, professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e autor de mais de 30 livros, entre eles “Jango: a Vida e a Morte no Exílio” (2013, L&PM) e “Raízes do Conservadorismo Brasileiro” (2017, Civilização Brasileira).

“A leitura dos 927 itens com textos acaba por gerar um efeito impressionante: o presidente da República parece cercado por uma matilha de vorazes pedintes”, escreve Silva.

Políticos de siglas como UDN (União Democrática Nacional) e PSD (Partido Social Democrático) figuravam entre os que pediam favores a Jango, especialmente de estados como Minas Gerais e São Paulo.

Para Silva, a presença constante de líderes desses estados revela a importância que tinham na política brasileira desde o pacto “Café com Leite”, durante a República Velha, quando presidentes originários desses estados se revezavam no poder.

Até mesmo o ex-presidente Juscelino Kubitschek, o mineiro JK, estava habituado a escrever para Jango “sempre que achava necessário”, como explica Silva.

O que chama mais a atenção, porém, é a insistência do governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto. Ele seria um dos principais articuladores do golpe contra Jango.

“Magalhães Pinto fazia uma espécie de jogo duplo. Por um lado, mostrava-se cordial e disposto a dialogar. Por outro lado, especialmente quando o tema das reformas se consolidou na pauta, partiu para a conspiração”, diz Silva à reportagem.

O presidente gaúcho costumava responder favoravelmente aos pedidos. “Na instabilidade do poder, caminhando sempre no fio da navalha, como Jango poderia não atender pedidos de próceres da política mineira?”

Mesmo sendo católico e um fazendeiro rico, Jango foi tachado de comunista ao tentar emplacar as reformas de base. Para Silva, mesmo que fosse contraditório, o rótulo foi “eficaz” para colaborar com sua derrubada por um contexto de Guerra Fria.

“Jango foi vítima de uma poderosa campanha de desqualificação que soube explorar um fantasma fácil de ser disseminado”, explica o professor.

“De certo modo, os espantalhos são sempre os mesmos. Para assustar uma população, nada como recorrer aos velhos e cansados, embora eficazes, estereótipos: o comunismo, o ateísmo, a ameaça à liberdade, esses arquétipos constituídos nalgum momento e até agora passíveis de atualização.”

Entre as recorrentes queixas recebidas pelo presidente estão as vidas dos agropecuaristas, como ele próprio. A principal reclamação era contra o projeto de reforma agrária.

Em uma carta, líderes ruralistas escrevem pedindo a revogação do “decreto monstruoso que irá derramar o sangue dos nosso filhos”.

Entre os documentos conservados pelo assessor de Jango está o despacho em que Jango escreve à mão para que ele responda aos ruralistas que “o desejo é justamente evitar a luta entre irmãos”. Guimarães respondeu, então, que o presidente planejava as reformas “dentro da paz social”.

“Na época de Jango, a concentração da propriedade rural era escandalosa. A reforma agrária de Jango era capitalista, um bem para o Brasil, inclusive para as elites, que veriam se constituir um mercado interno mais consistente para a indústria”, explica Silva.

O acervo inédito mostra também cartas de pessoas longe do poder. Há agradecimentos de um homem por sua aposentadoria, pedido de uma garota de 14 anos por uma cirurgia para corrigir lábios – “lembre-se de que o sonho de toda moça é pintar os lábios na idade devida”–, e até uma senhora que pedia uma cavalo.

O pedido veio em versos: “Sempre quis um cavalo/E só consigo no sonho/Por isto peço e imploro/A vós presidente angolar/para meu sonho realizar”. Em outra carta, uma mulher pede para conhecer o presidente pessoalmente.

Os pedidos de empregos no serviço público predominam, reflexo de um país, “pré-moderno”, explica Silva. É com Jango que começa a se consolidar o concurso para esse tipo de função.

Entre as correspondências, uma em especial condensa as mazelas sociais a que o Brasil precisava responder. “As coisas estão cada vez mais caras e o que ganhamos não dá para o nosso sustento”, escrevia uma menina de 12 anos que trabalhava como doméstica. A irmã, de dez anos, também trabalhava como empregada.

Há também mensagens de uma estrela de Hollywood. Em 13 de novembro de 1961, a atriz Janet Leigh escreveu em um papel timbrado do hotel Copacabana Palace. Leigh concorreu ao Oscar de melhor atriz pelo filme “Psicose”, do ano anterior. Ela agradecia Jango pelo empréstimo de seu avião particular.

A carta revela o glamour que envolvia Jango e o Brasil naquele período pré-ditadura. “Jango e Maria Thereza [primeira-dama] eram um casal deslumbrante. Brasília era um desafio, uma surpresa e ainda certa novidade. O Rio de Janeiro vivia entre a corte que perdeu o poder e o eterno poder de uma cidade maravilhosa pela qual muitos políticos suspiravam constantemente”, analisa o autor.

Para o pesquisador, o “Brasil tinha tudo para dar o salto de qualidade que o tornaria, enfim, o país do futuro”. Para isso, “precisava de um impulso político” que foi dado quando fez o comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964. “Quando anunciou a reforma agrária, começou a cair”, diz.

A MEMÓRIA E O GUARDIÃO Autor: Juremir Machado da SilvaEditora: Civilização Brasileira/Grupo Editorial Record – Quanto: R$ 59,90 (364 págs.)

Beto Fortunato

Jornalista - Diretor de TV - Editor -Cinegrafista - MTB: 44493-SP

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