Flávio Bolsonaro atua como advogado em parceria com acusado de compra de decisão
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Não é permitido a um senador da República exercer a advocacia em uma série de situações que possam causar conflitos de interesses
Desde que tirou uma carteira da OAB de Brasília em abril do ano passado, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) tem se aproximado de magistrados e bancas de advocacia da capital federal, mas guarda segredo absoluto sobre as causas em que atua. Pela primeira vez, o filho 01 do presidente Jair Bolsonaro apareceu em uma contenda empresarial que chegou às Cortes Superiores. Flávio atua ao lado do advogado Erick Pereira, filho de um ex-ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e acusado de compra de decisão judicial. O Estadão obteve acesso aos documentos do processo.
Não é permitido a um senador da República exercer a advocacia em uma série de situações que possam causar conflitos de interesses, como em ações que envolvem a União ou mesmo empresas concessionárias de serviços públicos. No caso específico, a causa é estritamente privada, e não esbarra em tais vetos à atuação de parlamentares nos tribunais, previstos no Estatuto da Advocacia. Parceiro do senador na causa, Erick Pereira almeja uma cadeira em Cortes Superiores, como mostrou o Estadão, e enfrenta há mais de uma década acusações do Ministério Público.
O processo, que chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), diz respeito a uma briga entre diretores e acionistas da Simas Industrial, uma tradicional fábrica de doces fundada nos anos 1940, no Rio Grande do Norte. Em meados de 2008, integrantes da família Gadelha Simas, dona da empresa, se desentenderam e moveram uma ação de dissolução da sociedade. Há mais de uma década, o processo se arrasta no Judiciário, marcado por trocas de acusações entre os sócios, que divergem sobre os termos em que o rompimento da sociedade deve ser feito e os valores em dinheiro a serem distribuídos entre as partes. A sociedade tem R$ 18 milhões em capital.
Erick Pereira advoga para a empresa e para uma parte dos sócios que permanecem no comando da indústria. É tido como um dos principais do caso. Em junho deste ano, os donos da Simas assinaram uma procuração para Flávio Bolsonaro também atuar no STJ em nome da empresa na batalha judicial. O senador assina diversas petições ao longo do processo. E firma os pedidos sozinho.
Nos autos desta ação, também aparece outro amigo de Flávio Bolsonaro, o advogado Willer Tomaz. Ele já atuava em um recurso relacionado ao caso – que arregimentou um extenso rol de advogados – antes do senador entrar nos autos da ação. Durante a CPI da Covid, o próprio Flávio reivindicou a amizade com Willer para reclamar de uma ofensiva do colega Renan Calheiros (MDB-AL), que citou o advogado durante um depoimento. Em um vídeo, ele disse ser “injusta” a citação ao seu “amigo”. Flávio também chegou a ser citado em uma contenda judicial entre Willer e a empresa do camisa 9 da seleção brasileira na Copa do Mundo, Richarlison.
O advogado Willer Tomaz reivindica ser o proprietário de uma casa com 11 suítes e cachoeira em Ilha Comprida, Angra dos Reis (RJ), e diz que o jogador e seus empresários são “invasores” do imóvel. Flávio foi arrolado como testemunha pelos advogados do empresário de Richarlison porque visitou a mansão. Uma testemunha nos autos do processo diz que Flávio e Willer visitaram o imóvel juntos, com interesse em comprá-lo. Willer nega esta versão e afirma que o senador foi citado no processo para politizar o caso. O caso foi revelado pela coluna de Guilherme Amado, no portal Metrópoles.
Além de Flávio, o advogado tem amizades no Congresso com elos em todos os espectros, para além do bolsonarismo e do presidente da Câmara, Arthur Lira, seu amigo e cliente. É sócio do ex-ministro Eugênio Aragão, que defende o PT. No passado, ele foi acusado pelo MPF pela suposta participação na compra de um procurador da República para atuar a favor da JBS. Em 2020, a acusação foi rejeitada no mérito pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Operação Balcão
Erick Pereira é filho do ex-ministro Emmanoel Pereira, que se aposentou em setembro, na presidência do TST. Neste ano, chegou a figurar em uma lista de cotados para uma vaga no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas não foi escolhido. Ele foi acusado no âmbito da Operação Balcão, da Polícia Federal, por suspeita de compra de voto no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte – para beneficiar a mulher de um ex-prefeito do interior do Estado em um processo de cassação.
O vaivém de decisões judiciais a favor e contra Erick Pereira fez o processo travar na Justiça. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região decidiu anular provas e trancar a denúncia do Ministério Público Federal. Em abril deste ano, o ministro do STJ Rogério Schietti mandou a ação penal ser reaberta. Quatro meses depois, o julgamento do STJ restabeleceu uma decisão que negava o recurso do MPF e, na prática, voltava a trancar a ação. Mas o MPF mantém a acusação, e o subprocurador-geral da República Mario Bonsaglia, em novembro, recorreu mais uma vez para restabelecer o andamento do processo. Procurado, Erick não comentou o processo, nem a parceria com o senador. Em oportunidades anteriores, porém, ele já havia negado qualquer irregularidade no caso.
Além de Willer e Erick Pereira, Flávio se tornou amigo de outros filhos de ministros do Judiciário, desembargadores e advogados de Brasília. Ele tem frequentado festas no Lago Sul com a presença de advogados e outros políticos do Congresso. Flávio tem sido atuante em escolhas do pai para tribunais, como o TJ e o TRE do Rio, e até mesmo na indicação de Kássio Nunes Marques ao STF. Seu escritório é sediado no mesmo endereço de sua residência, no Setor de Mansões Dom Bosco, no Lago Sul. A casa foi adquirida por R$ 6 milhões em 2021. A banca só tem Flávio como sócio.
Procurado, Flávio Bolsonaro não se manifestou. Willer e Erick também não se pronunciaram até a publicação desta reportagem.
| IDNews® | Jornal “O Estado de São Paulo” | Via NBR | Brasil