Ibama aponta risco de prescrição de 5.000 infrações ambientais lavradas na gestão Bolsonaro
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Uma etapa a mais, de conciliação ambiental, foi criada no governo Bolsonaro como forma de enfraquecer a fiscalização ambiental, uma bandeira do presidente desde os tempos de deputado federal.
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) aponta em relatório o risco de prescrição de mais de 5.000 autos de infração ambiental lavrados no governo Jair Bolsonaro (PL).
O documento da Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais do Ibama, obtido pela Folha, mostra que o órgão não vem conseguindo processar os autos de infração para encaminhamento a julgamento.
Uma etapa a mais, de conciliação ambiental, foi criada no governo Bolsonaro como forma de enfraquecer a fiscalização ambiental, uma bandeira do presidente desde os tempos de deputado federal.
O acúmulo de processos chegou ao ponto de provocar um risco real de prescrição -quando não pode mais haver punição, em razão da perda do prazo- de autos de infração lavrados em 2020, o segundo ano do mandato de Bolsonaro.
Segundo servidores, o prazo para prescrição é de três anos, caso não haja julgamento ou atos processuais que interrompam o período.
O risco de prescrição é apontado pelo próprio superintendente de Apuração de Infrações Ambientais, Rodrigo Gonçalves Sabença, em um ofício de 26 de novembro de 2021. O documento foi enviado aos superintendentes do Ibama nos estados.
O Ibama e o MMA (Ministério do Meio Ambiente) não responderam aos questionamentos da reportagem.
A paralisia e o risco de impunidade de infrações ambientais ocorrem num momento de recorde de desmatamento da Amazônia e do cerrado.
No período de agosto de 2020 a julho de 2021, a Amazônia perdeu 13.235 km2 de vegetação, conforme dados oficiais do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O número representa um aumento de 22% em relação ao ciclo anterior, e é o maior desde 2006.
No cerrado, a perda foi de 8.531 km2 de agosto de 2020 a julho de 2021, segundo dados do Prodes. O salto foi de 7,9% em relação ao ciclo anterior, e foi o maior desmatamento desde 2015.
No ofício, o superintendente buscou soluções junto aos superintendentes nos estados para o acúmulo de processos.
De acordo com o documento, o total de autos de infração lavrados em 2020, acrescido de 10% do passivo existente, chega a 10.102 casos. Esses são os processos que necessitam de algum tipo de instrução processual, de forma que o prazo de prescrição seja interrompido.
O superintendente calculou serem necessários 27.276 atos para instrução dos processos.
“De junho a outubro foram produzidos 5.096 atos processuais, o equivalente a 1.887 processos. Mantido o atual ritmo de produção, provavelmente produziremos cerca de 10.000 atos processuais, o equivalente a 3.700 processos de auto de infração”, cita o ofício.
“Ou seja, o Ibama conseguirá instruir apenas 40% dos autos lavrados em 2020 mais 10% que foram tratados no âmbito da conciliação. Os outros 50% ficarão no GN-P aguardando pela instrução processual que poderá não ocorrer antes da prescrição do auto”, prossegue o documento de 26 de novembro.
Assim, em relação ao total de processos, o risco de prescrição existia para 5.051 autos. GN-P, área citada no ofício, é o grupo que prepara e classifica os processos de apuração de infrações ambientais.
A realidade do Ibama no Pará, estado com os piores índices de desmatamento da Amazônia, corrobora o risco de prescrição de processos.
Entre as 27 unidades da federação, o Pará era o estado com a maior meta de atos processuais necessários, 3.000, conforme informado no ofício do Ibama. A quantidade era superior à previsão para a própria sede do órgão, em Brasília.
O documento mostra que, mesmo assim, apenas 20 processos foram distribuídos na superintendência entre junho e outubro de 2021. A distribuição semanal foi suspensa (a exemplo de Amazonas, Acre, Alagoas e Sergipe), e não havia uma definição do potencial de análise de casos até maio deste ano.
Servidores do Ibama afirmaram à Folha, sob a condição de anonimato, que o superintendente do órgão no Pará, Washington Luis Rodrigues, enviou 10.000 processos a Brasília de uma única vez, sem qualquer despacho, o que ampliou o risco de prescrição em massa dos autos.
Um decreto de Bolsonaro em 2019 instituiu as audiências de conciliação ambiental, para onde as multas aplicadas pelos fiscais devem ser encaminhadas. Processos podem ser encerrados a partir de soluções como descontos para pagamento, parcelamento ou conversão da multa em algum serviço ambiental.
Um levantamento feito por pesquisadores da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e da ONG WWF-Brasil mostrou que 98% dos 1.154 autos de infração lavrados na Amazônia por desmatamento ilegal (entre outubro de 2019 e maio de 2021), por exemplo, estavam parados, sem conciliação. O estudo foi divulgado em dezembro de 2021.
A conciliação ambiental é uma herança da gestão de Ricardo Salles no MMA. Ele deixou o cargo de ministro em junho de 2021.
Um mês antes, Salles foi alvo da operação Akuanduba, da Polícia Federal, que investiga suspeitas de corrupção e facilitação de contrabando no envio de madeira ilegal ao exterior.
O presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, aliado de Salles, chegou a ser afastado do cargo por 90 dias, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Bim, ao fim do afastamento, retornou ao cargo.
A operação da PF se concentrou no envio de madeira extraída no Pará. Um despacho de Bim, assinado em 25 de fevereiro de 2020 (uma terça-feira de Carnaval), dispensou a necessidade de autorização de exportação de madeira. O STF determinou a suspensão dos efeitos desse despacho.
Técnicos do Ibama ouvidos pela PF afirmaram que cerca de 3.000 cargas de madeira da Amazônia no Pará foram exportadas a diversos países sem autorização do órgão.
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