Policia

Máfia das Funerárias se reinventa e volta a desafiar poder público


Warning: Trying to access array offset on value of type bool in /usr/storage/domains/i/idnews.com.br/www/wp-content/plugins/wp-social-sharing/includes/class-public.php on line 81

Máfia das Funerárias se reinventa e volta a desafiar poder público

10:00 | IDNews | Via Metropóles/Saulo Araujo | 

Sem permissão para prestar serviços, papa-defunto se aliou ao dono da da Pioneira, investigada por falsificar e vender atestados de óbito

Quem trabalha no Hospital Regional de Ceilândia (HRC) já se acostumou com a presença de um homem negro, baixo e trajando invariavelmente jaqueta preta de couro, independentemente do clima. Eremito Araújo Nunes não é funcionário da Secretaria de Saúde, mas circula com desenvoltura nas dependências da unidade, normalmente abordando familiares de pessoas que morreram no HRC. Eremito é um papa-defunto e deu nova roupagem à Máfia das Funerárias, uma organização criminosa desarticulada pela Polícia Civil (PCDF) e pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) em 2017.

Até junho deste ano, Eremito trabalhava como sócio da Funerária Cristo Rei – registrada com nome social de Funerária DCV LTDA. –, que funcionava na EQNM 17/19 de Ceilândia Sul, quase em frente ao HRC. O estabelecimento teve a autorização cassada em 11 de junho pela Secretaria de Justiça devido a irregularidades documentais. Eremito e sua sócia, Carmem Mayara Ferreira, retiraram toda a mobília das três lojas que ocupavam no comércio local, mas continuaram no ramo clandestinamente.

Veja a portaria que revogou a autorização da Funerária Cristo Rei: 

 

Sem autorização para fazer a prestação de serviços funerários, Eremito passou a atuar no mercado negro da morte. Se aliou ao dono da Pioneira – outra investigada pela PCDF – e reorganizou um exército de papa-defuntos. Ao convencer familiares a fechar negócio com a Pioneira, recebe uma comissão de 30% sobre o valor.

As três lojas que pertenciam a Cristo Rei permanecem estampando placas de serviços funerários na fachada, mas o nome foi ocultado. Em razão da proximidade com o hospital da maior e mais populosa cidade do Distrito Federal, há um número grande de comércios desse ramo nas redondezas. Na quadra onde ficava a Cristo Rei, existem outras duas funerárias que operaram legalmente: a Bom Jesus e a Pax. Eremito mira justamente os clientes dessas empresas.

Normalmente, quem procura por serviços funerários na região faz orçamentos na Bom Jesus e na Pax. Eremito aborda os interessados na saída e os convida a entrar em uma de suas lojas vazias. Para evitar que os clientes se espantem com a ausência de funcionários e materiais de escritório, diz que o lugar será reformado para “melhor atender ao público”.

O papa-defunto oferece sempre um preço bem menor do que a Bom Jesus e a Pax. Com o negócio fechado, encaminha a pessoa à Pioneira, que tem endereço em Taguatinga. Sem saber que falava com um jornalista, ele explicou como seria um sepultamento padrão. “Fica R$ 1,4 mil. Você paga no cartão, cheque ou dinheiro. A gente pega o corpo e deixa preparadinho na clínica até a hora de levar para o cemitério”, disse Eremito.

Veja o vídeo:

Operação Caronte
A Pioneira – para onde Eremito encaminha os familiares de pessoas mortas no HRC – esteve no alvo da PCDF e do MPDFT em outubro do ano passado, quando a Operação Caronte foi deflagrada. Liderada pelo médico Agamenon Martins Borges, a quadrilha falsificava e vendia atestados de óbito por até R$ 6 mil. O documento é gratuito, mas o grupo se valia do desconhecimento das pessoas.

A funerária é a principal suspeita de captar ilegalmente a frequência dos rádios da PCDF em busca de informações sobre mortes classificadas como aparentemente naturais. Depois, funcionários ligavam para os familiares para obter vantagens ilícitas. O dono da Pioneira, Cláudio Barbosa Maciel, foi um dos detidos na ação.

À época, os investigadores descobriram que o esquema arquitetado por Cláudio Maciel tinha três linhas de atuação: a primeira consistia em captar clandestinamente as comunicações da Polícia Civil. Em uma segunda frente, assediavam familiares na saída do Hospital Regional de Taguatinga (HRT), após informações repassadas por trabalhadores do local. Na terceira, corrompiam Agamenon, que nem sequer olhava os cadáveres e fornecia atestados de óbito.

Os criminosos geralmente se passavam por servidores do IML. Alegavam aos parentes das vítimas que uma equipe do órgão iria prestar assistência – ou uma funerária ligada ao grupo poderia ajudá-los. Em agosto, o Metrópoles revelou que Agamenon havia ingressado nos quadros da Secretaria de Saúde ao passar em um concurso público para ser pediatra na rede.

Funerária investigada pela PCDF e pelo MPDFT é suspeita de praticar várias irregularidades

Com os dias contados
De acordo com o subsecretário de Assuntos Funerários da Secretaria de Justiça (Sejus), Manoel Antunes, a Pioneira está com os dias contados. “Ela é ré no processo que apura irregularidades na captação clandestina de comunicação de rádio amador da Polícia Civil e, dentro desse mesmo processo, há provas robustas da participação de papa-defuntos da Pioneira no agenciamento de serviços funerários, o que infringe a legislação”, destacou.

Sobre a parceria ilegal entre o papa-defunto Emerito e a Pioneira, Manoel disse já ter recebido dezenas de denúncias. “Não obtivemos êxito nos flagrantes, mas temos ciência dessas irregularidades. Recentemente, tivemos acesso ao processo que corre na Justiça e a ideia é encaminhar a revogação do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Pioneira”, explicou.

Responsável pela denúncia contra alvos suspeitos da Caronte, o promotor Maurício Miranda, da Promotoria Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-vida), culpou o poder público pela continuidade da Máfia das Funerárias.

Há uma inércia do Estado, pois já deveria ter sido feita licitação para esses serviços há muitos anos. Do jeito que está, os atuais permissionários se sentem confortáveis para fazer o que bem entendem, pois não há regulamentação clara

Maurício Miranda, promotor de Justiça

Em relação à licitação, o Distrito Federal nunca realizou concorrência pública para funerárias. Em novembro, contudo, o GDF lançou um certame.

O processo de concorrência foi divulgado no Diário Oficial do DF e prevê a seleção de 39 empresas para atuarem no ramo. As regras para participar do certame estão no portal da Secretaria de Justiça e Cidadania. A sessão pública de recebimento das propostas será em 11 de dezembro, das 10h às 11h.

As selecionadas substituirão as 54 empresas que atuam no setor atualmente. Muitas começaram a trabalhar no DF em 1980 sem passar por nenhum processo licitatório. Houve uma tentativa de concluir o pleito em 1999, mas o certame foi frustrado.

A reportagem ligou várias vezes e em horários diferentes para falar com Cláudio Maciel, mas não obteve êxito. Um funcionário identificado como Miguel disse que o patrão retornaria os contatos, o que não ocorreu até a última atualização deste texto.

Mitologia grega
Batizada de Caronte, o nome da operação é uma referência ao barqueiro da mitologia grega que cobrava pelo transporte das almas do mundo dos vivos para o mundo dos mortos através de um rio controlado por ele.

O Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial (NCAP), a 4ª Promotoria de Defesa da Saúde (Prosus), a Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-vida) e a Corregedoria-Geral da Polícia Civil do DF participam das buscas.

 

 

Beto Fortunato

Jornalista - Diretor de TV - Editor -Cinegrafista - MTB: 44493-SP

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *