Moradores de Mariupol vivem rotina de terror e se veem reféns em casa
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Mais de 80% das casas foram destruídas após mais de 15 dias de intenso ataque russo, o que dificulta aos moradores encontrarem lugares seguros para buscar abrigo.
Cercados pelo Exército russo e sem conseguir acessar corredores humanitários, moradores de Mariupol, no sudeste da Ucrânia, relatam que estão sendo mantidos como reféns em sua própria cidade desde o início da invasão, há quase um mês.
Mais de 80% das casas foram destruídas após mais de 15 dias de intenso ataque russo, o que dificulta aos moradores encontrarem lugares seguros para buscar abrigo. Deixar a cidade é uma tarefa arriscada, já que a Rússia está há duas semanas quebrando a promessa de criar um corredor humanitário.
Em Zaporíjia, a Folha conversou com moradores que conseguiram deixar Mariupol depois de dias escondidos em porões, sem acesso a eletricidade, aquecimento, água e sinal de telefone. Além da destruição, eles contam que corpos se acumulam nas ruas.
Christina Cherkess chegou no sábado (19) a Zaporíjia, depois de ter passado 14 dias em um porão com o marido, o filho de um ano de idade e os sogros. “Por duas semanas nós vivemos em um porão, sem ter itens básicos para sobrevivência. Não tinha nem água para limparmos o rosto”, conta, falando em russo.
“Putin mata pessoas de língua russa”, afirma Christina. “Toda minha vida estou falando em russo, minha criança também fala russo, minha mãe fala russo, minha mãe nasceu na Rússia.”
“A população de Mariupol está sendo feita de refém, porque se há civis na cidade é mais difícil para as tropas russas entrarem em batalha com as forças ucranianas”, declara.
A mãe de Christina, Svetlana Kuriachaia, descreve aos prantos o cenário de terror em que se encontravam em Mariupol. “As tropas russas entraram lá, e nós fomos bombardeados. Atingiram nossa casa, perto de casa, pessoas morreram, foram cortadas pelos fragmentos (de mísseis). Perto da minha casa atiraram em um jovem dentro de carro… ele ainda estava lá, ninguém o pegou, cachorros rasgaram o seu corpo.”
Svetlana conta que só saíram do porão para tentar ajudar vizinhos que tiveram a casa bombardeada. “Houve um incêndio, tiramos os idosos de lá, para que eles não fossem queimados vivos. No outro lado da rua, as pessoas foram queimadas vivas, completamente, encontraram apenas ossos queimados.”
Desde o início dos ataques, as autoridades russas e ucranianas tentam acordos para estabelecer corredores humanitários para retirar civis das áreas mais afetadas pela guerra. No entanto, ainda não conseguiram um cessar-fogo abrangente e duradouro na região de Mariupol para a retirada da população. A estimativa é de que 200 mil civis continuem sem poder sair.
Desde que os ataques começaram, cerca de 30 mil pessoas deixaram Mariupol por conta própria, usando seus carros para ir principalmente até Zaporíjia, que mantém centros de apoio para dar os primeiros socorros às pessoas.
Apesar de ser o destino de fuga de muitos moradores de Mariupol, a cidade também sofreu bombardeios russos e decretou um toque de recolher que vai vigorar até as 5h locais de segunda (21) – zero hora de segunda em Brasília. A intenção, segundo autoridades locais, é procurar “sabotadores” russos infiltrados.
No dia 4 de março, um ataque de Moscou provocou um incêndio na usina nuclear de Zaporíjia, a maior da Europa. Desde então, os russos controlam as instalações.
A viagem de Mariupol a Zaporíjia, de pouco mais de 200 quilômetros, tem durado de 3 a 4 dias por conta dos bloqueios e postos de controle russo. Os moradores precisam apresentar documentos e, principalmente os homens, provar que não são militares.
Na tentativa de se proteger de ataques, os moradores amarram faixas brancas nas portas dos carros e escrevem a palavra “crianças”, em russo, nos vidros.
No sábado (19), a vice primeira-ministra ucraniana Iryna Vereshchuk anunciou que o governo tinha conseguido um acordo com as autoridades russas para criar 10 corredores humanitários, um deles em Mariupol. Segundo ela, a Ucrânia já retirou 190 mil civis de áreas atingidas pela guerra.
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