Música em 2022 teve mortes de Gal, Elza e Erasmo Carlos, política e volta dos festivais
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Foi um ano de encontros e despedidas, como cantou Milton Nascimento para um Mineirão lotado em Belo Horizonte.
Gal Costa, Elza Soares, Erasmo Carlos. Poderia ser apenas uma lista com alguns dos nomes mais importantes da história da música brasileira, mas é também um registro daqueles que nos deixaram ao longo do ano que passou –da cantora do milênio, em janeiro, ao gigante gentil, no mês passado, passando pela voz da tropicália, também em novembro.
Foi um ano de encontros e despedidas, como cantou Milton Nascimento para um Mineirão lotado em Belo Horizonte. Bituca foi outro que deu seu adeus em 2022 -no caso, se despedindo dos palcos, com uma turnê que rodou o Brasil, passou por Europa e Estados Unidos e chegou ao fim onde tudo começou, no estádio mais emblemático de Minas Gerais.
É difícil imaginar não só como seria a música brasileira, não fosse a existência desses nomes, mas o próprio Brasil. Gal inventou um país com seu canto, a expressão mais visceral do tropicalismo; Elza reinou no samba e transcendeu a coroa para se tornar um símbolo das nossas cores; Erasmo versou o romantismo e fez o rock ter sentido por aqui; e Bituca transformou em melodia as montanhas, a letargia e a candura das regiões centrais.
Quem partiu cheia de planos, ainda que para voltar quando quer, foi Anitta. Isso porque o ano que passa marcou a internacionalização da cantora, que primeiro figurou no topo do ranking global do Spotify com a música “Envolver”, e depois firmou seu nome com o álbum “Versions of Me”.
Anitta cantou no programa de Jimmy Kimmel, fez shows memoráveis no Coachella, nos Estados Unidos, e no Rock in Rio de Lisboa, além de abocanhar prêmios internacionais e beliscar uma indicação ao Grammy como artista revelação. Se seu EP recém-lançado -todo em português e mirando o público brasileiro- não foi exatamente um hit, a estrela pop também nunca foi tão conhecida acima da linha do Equador.
Na seara dos encontros, o ano foi marcado pela volta maciça dos eventos musicais. Se até 2021 a aglomeração era apenas sinônimo de saudade, este foi o ano em que ela voltou a fazer parte da vida dos brasileiros. Após sucessivos adiamentos, os festivais retomaram a agenda e saciaram de vez quem estava exausto de lives pandêmicas.
Em novembro, aconteceu a primeira edição nacional do espanhol Primavera Sound, que trouxe ao país uma escalação alternativa, numa dinâmica que prioriza os palcos e a música em vez de atrações como os stands de marcas e rodas-gigantes –constantes nesse tipo de megafestival.
Uma tônica comum entre o Primavera e os já consolidados Rock in Rio e Lollapalooza foi o clima de tensão política da eleição presidencial. Artistas levaram o tema aos palcos e plateias reagiram com coros a favor e contra candidatos, com preferência quase unânime dessa classe artística e dos fãs desses eventos ao eleito Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores.
O show de Pabllo Vittar no Lollapalooza, por exemplo, chegou a virar alvo do presidente Jair Bolsonaro, do Partido Liberal, legenda que acionou o Tribunal Superior Eleitoral contra o festival. A acusação era de que a cantora teria feito propaganda eleitoral irregular quando ela pegou uma toalha com o rosto de Lula em sua performance, além de fazer o “L” com as mãos.
O tribunal acabou acatando parcialmente esse pedido e determinou o pagamento de uma multa caso outros músicos se manifestassem. O resultado é que a decisão foi lida como censura pelos artistas, que só intensificaram os protestos ao longo do festival.
Mas não foi só nos shows que os artistas se posicionaram em relação à eleição. Enquanto Anitta embarcou numa campanha online pró-Lula, Gusttavo Lima e outros astros do sertanejo foram até o Palácio da Alvorada apoiar Bolsonaro.
A atmosfera eleitoral também foi parar no streaming. Juliano Maderada alcançou a almejada lista de músicas mais ouvidas do Spotify com “Tá na Hora do Jair Já Ir Embora”, música que debocha do presidente derrotado no pleito e dominou os gogós dos apoiadores do eleito.
A divisão política também ficou marcada após uma fala do cantor Zé Neto, da dupla com Cristiano, que criticou uma tatuagem íntima de Anitta e disse que não precisava de dinheiro público da Lei Rouanet. Após o discurso do artista, diversos cantores sertanejos viraram alvo de investigações espalhadas pelo Brasil pelo recebimento de cachês de centenas de milhares de reais, pagos com dinheiro público, para shows em cidades com poucos milhares de habitantes.
Gusttavo Lima foi o maior atingido pelas investigações e teve shows pagos por prefeituras cancelados ao longo do ano. O conjunto das investigações, feitas separadamente pelo Ministério Público de vários estados, foi chamado de “CPI do sertanejo” nas redes sociais, ainda que uma Comissão Parlamentar de Inquérito jamais tenha sido aberta.
No lado musical, o sertanejo apresentou uma nova vertente, o agronejo, com uma estética que mistura batidas de funk e música eletrônica com letras sobre a vida rural e a exaltação do agronegócio. O hit “Pipoco”, de Ana Castela e DJ Chris no Beat, foi uma constante nas listas de mais tocadas ao longo do ano.
Mas quem se sagrou como a artista mais ouvida do ano no Brasil, no Spotify, foi Marília Mendonça, morta no ano passado, e que teve dois EPs póstumos, com destaque para seu lado brega, recém-lançados. Em nível global, o porto-riquenho Bad Bunny figurou pelo terceiro ano seguido como o mais escutado, após lançar o celebrado álbum “Un Verano Sin Ti”.
O sucesso perene do reggaetonero, que faz pontes com o trap e a música pop, ratifica que a tão falada “onda latina” está mais para tsunami do que marola. Quem também surfa no movimento é a espanhola Rosalía, que usa, expande e experimenta a partir da influência latina em “Motomami”, disco que a trouxe para um elogiado show em São Paulo e a alçou a um novo patamar de reconhecimento ao redor do mundo.
Este também foi o ano de passar lápis de olho preto e reviver o emo. Avril Lavigne, por exemplo, voltou a lançar um álbum nessa estética e fez shows concorridos no Brasil, que também recebeu, no Rock in Rio, uma apresentação efusiva do Green Day.
Além disso, o Blink-182 anunciou o retorno de sua formação original, com a qual fará seu aguardado primeiro show no Brasil, no Lollapalooza do ano que vem. O Paramore encerrou seu hiato e também anunciou sua vinda o país em 2023, enquanto uma nova geração de artistas se inspira no pop punk.
Outras estéticas dos anos 2000 também invadiram as caixas de som. Um dos maiores deste fim de ano, “Tubarão, Te Amo”, é prova disso. A música figurou entre as mais ouvidas até nos Estados Unidos com um sample de “Tesouro do Pirata”, do Tchakabum, hit de duas décadas atrás, embalando as dancinhas no TikTok.
Foi assim também com “Desenrola Bate Joga de Ladinho”, em que o trapper L7nnon resgata os passinhos dos Hawaianos, outro ícone da primeira década do século. A faixa foi febre no país e, junto a outras dancinhas, chegou até a seleção brasileira, que bailou ao comemorar seus gols na Copa do Mundo.
No Qatar, a música voltou a ditar o ritmo do futebol brasileiro, ainda que o time nacional tenha sido eliminado, amargando uma derrota frustrante para a Croácia. De certa forma, como canta Milton Nascimento, a hora do encontro é também despedida.
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