Ocupação de favelas no Rio começa com descrédito
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Uma semana após a ocupação pela polícia, o clima é de descrédito e medo dentro da favela do Jacarezinho, espécie de projeto-piloto do Cidade Integrada, novo programa do governador Cláudio Castro (PL) para retomar territórios e levar serviços às comunidades fluminenses
O termômetro passava de 30°C nesta quarta-feira (26) enquanto o porta-voz da Polícia Militar do Rio de Janeiro, major Ivan Blaz, se ajeitava em frente a um muro branco grafitado com um grande coração vermelho e os dizeres “Todo o amor para o Jacarezinho”.
“A Polícia Militar tem total compromisso com a transparência nessa ação, nessa retomada de território, para que possamos abrir definitivamente o caminho para que tantos outros serviços do governo do estado possam chegar”, dizia ele olhando para a câmera, conduzida por um colega fardado.
A poucos metros, um menino de cerca de dez anos passava: “Olha ele ali falando mentira, oh”, soltou sorrindo, escondendo a boca com o dorso da mão, enquanto o resto da rua seguia seus afazeres e fingia ignorar as três viaturas paradas na esquina.
Minutos depois, menos de um quilômetro adiante, cinco policiais da tropa de Choque saíam de um beco seguidos por moradores, que gritavam revoltados contra a invasão de uma casa sem mandado judicial. A reportagem entrou logo em seguida no imóvel, aberto e revirado.
Uma semana após a ocupação pela polícia, o clima é de descrédito e medo dentro da favela do Jacarezinho, espécie de projeto-piloto do Cidade Integrada, novo programa do governador Cláudio Castro (PL) para retomar territórios e levar serviços às comunidades fluminenses.
As mesas cobertas por lonas ou guarda-sóis que exibiam toda sorte de drogas, envolta das quais traficantes armados se reuniam diariamente, agora são vigiadas por policiais. Barricadas feitas com trilhos e concreto ao longo das vias também foram retiradas.
Os criminosos fugiram ou se esconderam dias antes, sabendo que uma megaoperação aconteceria no dia19 (talvez com receio das 28 mortes na última ação, em maio).Por isso não houve tiroteios naquela manhã, quando 1.300 agentes militares e civis ingressaram ali e na Muzema, favela da zona oeste carioca controlada por uma milícia.
Não é a mesma situação vivida pela comunidade de Manguinhos, próxima ao Jacarezinho e também alvo da operação, onde moradores relatam confrontos diários entre tráfico e polícia desde a ocupação, com “corre-corre” e caveirões entrando e saindo.
No Jacarezinho, viaturas estacionam na entrada da favela e passam de tempos em tempos nas ruas internas, mas não há bases fixas ou policiais a cada esquina como no tempo das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). As ruas agora estão mais vazias e chegam a ficar desertas à noite, sem o habitual burburinho, contam comerciantes.
O medo vem principalmente dos diversos relatos de invasões de casas por policiais, que não usam as câmeras portáteis compradas recentemente pelo estado. No caso que o jornal Folha de S.Paulo presenciou, a corrente estava arrebentada, roupas e objetos estavam revirados e um vazamento molhava o chão, segundo o morador porque haviam acabado de quebrar a caixa d’água na laje.
Percebendo a presença da reportagem, os policiais que deixavam o beco se irritaram com o fotógrafo, ameaçaram levá-lo para a delegacia, tiraram foto do seu crachá, consultaram seus dados e, em tom intimidador, o questionaram sobre o nome dos seus pais e onde vivia.
Esse motoboy diz que foi a terceira vez desde a semana passada que isso aconteceu. Os agentes teriam bebido cerveja e guaraná que estavam na geladeira e roubado um cordão, tênis e um relógio que estavam em cima de um móvel. Ele pediu para não ter seu nome publicado.
Duas vielas para trás, uma manicure conta que dormia nua no dia da ocupação quando foi acordada pelos gritos de uma vizinha, avisando sobre a presença dos agentes no andar de baixo. Quando desceu, três policiais saíam pela porta. Bateu boca enquanto eles invadiam outros imóveis e ouviu “foda-se, vamos entrar em tudo”. Urinou no lençol.
Nenhum deles pretendia reportar as violações nem sabiam que a Corregedoria da PM instalou um posto permanente na entrada da comunidade para receber denúncias -foram três registradas até agora, que a corporação afirma estar “apurando com o rigor necessário”.
Com medo das invasões, que costumam ocorrer quando não há ninguém em casa, alguns colocaram bilhetes nas portas: “Por favor! Já entraram e verificaram que aqui mora trabalhador”, diz um deles, como publicou o jornal Voz das Comunidades.
O local fica numa parte mais pobre e afastada da favela, à beira do rio Salgado, de onde o Inea (Instituto Estadual do Ambiente) já começou a retirar toneladas de resíduos. Um dos projetos do Cidade Integrada é canalizar os cursos d’água da região e construir uma espécie de boulevard com ciclovia.
Para isso, porém, será necessário remover cerca de 800 famílias que moram em casas precárias, muitas sustentadas por paus nas margens do rio, que até agora só ficaram sabendo do plano pela TV. A estimativa é que as obras comecem no segundo semestre, custem R$ 147 milhões e levem quase três anos.
Outra obra esperada é a reforma do Centro de Referência da Juventude (CRJ), um dos poucos espaços para cursos na comunidade, que hoje tem muitas salas desativadas por falta de luz e furos no teto. Mário Márcio da Silva, vice-coordenador do espaço, afirma que a reforma já deve começar nesta semana e durar 15 dias.
O novo programa terá seis eixos -social, econômico, infraestrutura, transparência, diálogo/governança e segurança- e um investimento inicial de R$ 500 milhões, a maior parte já prevista no orçamento do estado, segundo Castro. No Jacarezinho, inclui um batalhão, um mercado produtor, uma unidade de saúde e um parque urbano.
Na Muzema, a principal ação será a regularização de imóveis, com a concessão de títulos de propriedade aos moradores que residem em imóveis construídos pela milícia. Ali, a presença da polícia desde a ocupação se resume a poucas viaturas que circulam de vez em quando.
Um morador diz que o movimento de milicianos diminuiu desde a semana passada, mas que não fez muita diferença porque a área é tranquila -não há a ostensividade de fuzis como no Jacarezinho, por exemplo. Outra comerciante duvida que as cobranças do poder paralelo sobre comércios e serviços vão cessar.
Ela aponta para uma montanha de escombros de um prédio demolido pelo poder público do outro lado da rua, que há dois meses ocupa quase um quarteirão, e diz que, como moradora, prefere o prédio irregular da milícia do que um lixão.
O critério para a escolha das primeiras duas comunidades a receberem o Cidade Integrada, implantado em ano eleitoral, não se baseou em indicadores concretos, de acordo com o próprio governador.
Ambas as favelas passaram por tragédias que tiveram grande clamor popular: o Jacarezinho com o massacre na operação de maio, e a Muzema com dois prédios irregulares que desabaram em 2019, matando 24 pessoas.
De acordo com Castro, o Cidade Integrada não deve ser implementado em outras comunidades do Rio enquanto não apresentar resultados nesses locais. Até agora, porém, não foram apresentados critérios objetivos para a avaliação do programa.
As Polícias Militar e Civil argumentam que, sem disparar um tiro, apreenderam desde o início das ações mais de 300 quilos de drogas, removeram 27 toneladas de concreto e ferro usados para obstruir vias públicas e efetuaram 48 prisões nas favelas.
“No período, houve 34 ocorrências de repressão a atividades criminosas do tráfico no caso do Complexo do Jacarezinho e Manguinhos, e de milicianos que exercem influência nas comunidades da Zona Oeste”, afirmou a PM em nota. “Os policiais combateram contravenção penal, invasões de área sob proteção ambiental, construções clandestinas e comércio ilegal de gás de cozinha.”
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