PEC de precatórios burla teto, cria Orçamento paralelo e tem efeito negativo na dívida pública, diz IFI
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O documento, assinado pelos diretores da IFI Felipe Salto e Daniel Couri, afirma que a PEC não traz nenhum avanço em termos de ajuste fiscal para abrir espaço no teto
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) apresentada ao Congresso pelo governo Jair Bolsonaro para parcelar precatórios e criar um fundo com ativos da União representa uma burla ao teto de gastos e abre caminho para a criação de um Orçamento paralelo, avalia a IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado).
Nota técnica antecipada ao jornal Folha de S.Paulo pelo órgão que monitora a qualidade as contas públicas conclui que os efeitos negativos da PEC sobre os juros e a dívida pública serão relevantes e poderão anular potenciais ganhos de curto prazo promovidos pelo texto do governo.
O documento, assinado pelos diretores da IFI Felipe Salto e Daniel Couri, afirma que a PEC não traz nenhum avanço em termos de ajuste fiscal para abrir espaço no teto, regra que limita o crescimento das despesas do governo à variação da inflação. Segundo eles, a margem é criada apenas pela falta de pagamento imediato de um gasto obrigatória como o precatório.
“O parcelamento de despesas obrigatórias constitui séria burla às regras do jogo. A proposta, na prática, cria nova exceção ao teto de gastos para possibilitar seu cumprimento em 2022. Um arcabouço de normas fiscais que se pretenda crível, isto é, que sirva à ancoragem de expectativas, não pode ser alterado para atender a objetivos de curtíssimo prazo. Na iminência do descumprimento, altera-se a regra”, afirma o documento.
O economista da Tendências Fabio Klein, especialista em contas públicas, lembra que o cumprimento da regra passou a ser um problema mais recentemente.
“Talvez, a mudança traga ganhos de agilidade, mas o problema segue sendo o mesmo: estamos tendo déficits correntes e as nossas despesas correntes consomem quase todos os recursos. Hoje, diz, a regra de ouro é furada para cobrir despesas primárias. “Para mudar isso, é preciso fazer reformas.”
A estrutura principal da proposta estabelece o parcelamento em dez anos de todos os precatórios (dívidas do governo reconhecidas pela Justiça) com valor superior a R$ 66 milhões. Além disso, cria uma regra temporária para parcelar débitos sempre que o valor desses passivos superar 2,6% da receita líquida. Para 2022, está previsto o parcelamento de todos os débitos judiciais com valor superior a R$ 455.
Com a medida, o governo espera abrir R$ 33,5 bilhões de espaço no Orçamento de 2022. A proposta viabiliza, por exemplo, que o Bolsa Família seja turbinado.
O economista do Insper Marcos Mendes, um dos pais do teto de gastos, avalia que a regra de ouro já é uma medida que não tem funcionado nos últimos anos e que o mercado já entendeu que a medida hoje é mais um problema do que uma ação preventiva.
“Mas isso pode fragilizar o teto de gastos. Ao pagar menos precatórios, cria-se um incentivo para não pagar outras despesas, deixar que elas se transformem em ações judiciais e que sejam parceladas lá na frente”, pondera.
Ele afirma, ainda, que a PEC é uma medida que demonstra a opção do governo por aumentar gastos em vez de tentar reduzir despesas. “O sistema político escolheu aumentar o Bolsa Família sem cortar outros programas, escolheu também aumentar as emendas para relator. Fazer esse tipo de escolha custa caro.”
A nota técnica da IFI ressalta que a PEC institui um fundo a ser composto por receitas de venda de imóveis e participação de empresas da União, dividendos recebidos de estatais, receitas de concessões e recursos de petróleo.
Com o mecanismo, o governo poderá usar o dinheiro que ingressar nesse fundo para amortizar a dívida pública e quitar antecipadamente precatórios que forem parcelados. Foi aventada a possibilidade de usar essa verba também para repasses a programas sociais, mas a ideia não foi inserida na versão final da PEC.
“As operações passarão ao largo da Lei Orçamentária -fora, portanto, do controle parlamentar- e não estarão sujeitas ao teto de gastos. Presume-se que a tese defendida para tanto seja a de que os precatórios constituem dívida, a ser então amortizada via novo fundo. Perde-se transparência e abre-se caminho à criação de orçamentos paralelos”, diz a nota.
O documento afirma que o adiamento dos precatórios afeta a dinâmica do teto em um contexto de eleições presidenciais e ressalta que esse espaço deve ser ocupado por benefícios sociais criados em substituição ao Bolsa Família.
Para os economistas da IFI, a medida representa uma materialização de riscos fiscais, gerando consequências negativas sobre o preço de ativos.
Na visão da instituição, o risco gera aumento dos juros exigidos pelo mercado nas operações com títulos públicos. Além disso, tem impacto sobre câmbio e inflação, o que pode levar a uma ampliação da taxa Selic pelo Banco Central.
A IFI afirma que haverá efeito negativo desses dois pontos sobre a dívida pública, com aumento do custo médio das novas emissões do Tesouro. Isso, segundo a IFI, prejudica a dinâmica do endividamento do governo, dificultando a tarefa de tornar a dívida sustentável.
“O efeito de uma medida que preconiza produzir espaço fiscal, mas à custa das regras do jogo, causará uma turbulência relevante sobre as expectativas do mercado. O ganho que se observa na superfície será rapidamente suplantado pelo prejuízo causado ao quadro fiscal agregado, via juros e dívida pública”, afirma.
O órgão atribui o impasse apresentado agora pelo governo a uma falha na elaboração da PEC Emergencial, aprovada neste ano e que criou uma série de gatinhos de ajuste fiscal, como a suspensão de concursos e reajustes de servidores.
Segundo a IFI, o mecanismo da PEC Emergencial é inconsistente e apenas acionará os gatilhos em caso de estouro do teto ou restrição orçamentária que já inviabilizaria o funcionamento da máquina pública (95% de despesas obrigatórias em relação ao teto).
Para os economistas, se o percentual fosse mais factível, por exemplo em 92%, a regra de ajuste poderia ser acionada já em 2022 e não haveria necessidade de se propor a PEC com parcelamento de precatórios.
PEC DOS PRECATÓRIOS
Proposta de regras para os precatórios
– Parcelar em até dez anos o precatório superior a R$ 66 milhões
– Parcelar em até dez anos os precatórios que, em ordem decrescente, fizerem a soma dos valores superarem 2,6% da receita corrente líquida do governo
– Todo precatório abaixo de R$ 66 mil ficará na regra atual, fora do parcelamentoR$ 33,5 bi
É a estimativa de economia em 20228.771
Precatórios seriam atingidos pelo parcelamento, o equivalente a 3,3% de um total de 264.717Proposta de novo fundo da União, voltado à liquidação de passivosOrigem dos recursos:
– Venda de imóveis da União
– Venda de participação societária de empresas
– Dividendos recebidos de estatais (menos as despesas de estatais dependentes)
– Outorga de concessões e de delegações de serviços públicos
– Antecipação de valores do excedente de óleo em contratos de partilha de petróleo
– Arrecadação gerada pela redução de benefícios tributários (no primeiro ano)Destinação dos recursos:
– Pagamento da dívida pública
– Pagamento de precatórios que seriam parceladosO que ficaria no teto:
– Pagamento de precatórios dentro do limite de 2,6% da receita corrente líquida
– Pagamento do fluxo regular de parcelas dos precatóriosO que ficaria fora do teto:
Antecipação de pagamentos dos precatórios parcelados
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