Pedirei ajuda de Lula para apurar participação de Bolsonaro no golpe na Bolívia, diz Arce
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A gestão atual acredita que o governo brasileiro sob Jair Bolsonaro (PL) ajudou de alguma forma a ex-presidente interina, que usou uma manobra para assumir em 2019 após a renúncia de Evo Morales, em um período de profunda crise institucional e violência civil.
O presidente da Bolívia, Luis Arce, quer usar a proximidade que sua corrente política tem com Luiz Inácio Lula da Silva (PT), agora novamente no poder no Brasil, para pedir ajuda nas investigações sobre o período de Jeanine Áñez no comando do país.
A gestão atual acredita que o governo brasileiro sob Jair Bolsonaro (PL) ajudou de alguma forma a ex-presidente interina, que usou uma manobra para assumir em 2019 após a renúncia de Evo Morales, em um período de profunda crise institucional e violência civil.
O tema é um dos que integram a longa lista que Arce diz ter a tratar com Lula e que motivaram sua presença na posse do novo presidente; outros incluem a gestão e a proteção da Amazônia.
Arce, 59, falou à Folha de S.Paulo em Brasília antes de se reunir com o petista. Com fala pausada, bastante cauteloso na escolha de palavras, o político difere muito de Evo, a quem diz respeitar, mas admite ter diferenças hoje. O atual presidente foi ministro da Economia do líder histórico, período no qual o país reduziu intensamente a pobreza (de 59% a 36%) no chamado “milagre boliviano” –Evo também esteve na posse.
Próximo de completar três anos à frente do país, de um mandato de cinco, Arce tenta aproveitar um momento de trégua após o fim da greve de 36 dias dos “cívicos”, organização empresarial e partidária da região de Santa Cruz de La Sierra. A prisão de seu líder, o opositor Luis Fernando Camacho, porém, tem mantido o país sob tensão.
PERGUNTA – O sr. já disse ter desconfiança de um possível apoio do agora ex-presidente Jair Bolsonaro à manobra que levou Jeanine Áñez ao poder. O que foi feito em relação a essa suspeita?
LUIS ARCE – Continuamos investigando, e cada vez tenho menos dúvidas de que há uma relação entre o golpe de Estado na Bolívia e ações de Bolsonaro.
Isso se evidencia de várias formas. Da conta que nos cobrou no novo contrato de gás que fizemos, totalmente favorável ao governo brasileiro, a suas declarações de apoio a Áñez e a história dos aviões que sugerem um encontro dos dois no Brasil durante a armação da operação.
E por que essas investigações demoram?
L. A. – Justamente devido ao governo Bolsonaro. Ao companheiro Lula queremos mostrar todas as hipóteses que levantamos e que fomos documentando durante todo esse tempo. Esperamos que o Brasil, com Lula, possa colaborar mais do que o governo anterior. Falta informação do lado de cá para confirmar nossas suspeitas. Principalmente a de que o golpe de Estado envolveu muito mais atores e foi um plano arquitetado de modo ilegal.
O sr. fez um tratamento longo contra o câncer em São Paulo. Está curado? É a primeira vez que vem a Brasília como presidente?
L. A. – Adoro São Paulo e vou sentir saudades, terei de voltar como turista. Mas por sorte estou completamente liberado pelos médicos. A Brasília não teria vindo se não fosse para a posse de Lula. É porque tenho muito a conversar com ele que estou aqui. Senão, não viria.
Tenho certeza de que irão mudar completamente as relações entre a Bolívia e o Brasil. Tanto que vamos voltar a ter um embaixador aqui [até agora, havia um encarregado de negócios]. A relação irá melhorar.
Como se explica a prisão recente do opositor [de direita] Luis Fernando Camacho [governador da província de Santa Cruz de La Sierra]?
L. A. – Em 2020, quando se abriu um processo contra ele e contra vários dos que participaram do golpe, muitos dos que estavam envolvidos foram depor à Justiça. Nem que fosse para não dizer nada, o que também é válido –[o ex-presidente] Carlos Mesa, por exemplo, foi chamado e nada disse, mas é seu direito, fez o correto.
Camacho se recusou a comparecer às quatro intimações. Hoje, há vídeos nas redes em que ele confessa ter participado do plano para colocar Áñez no cargo. E, como se isso não bastasse, todos o viram no terraço do Palácio Quemado [sede do governo boliviano] com a Bíblia na mão. As evidências de sua participação são evidentes.
Sim, ele inclusive deu declarações aos jornalistas.
L. A. – Pois então, não havia como esconder sua participação. Há como avaliar os graus de envolvimento, mas nenhuma dúvida de que ele esteve nessa tentativa desestabilizadora, para dizer o mínimo.
Agora estavam se esgotando suas possibilidades de driblar a Justiça, então ele e os “cívicos” [organização de empresários e políticos de Santa Cruz de la Sierra] começaram a greve contra o Censo –ou seja, para adiantar o Censo que está no calendário para ocorrer em 2024.
Mas a reclamação é por um maior repasse de verbas e maior representação no Congresso à região, caso a população local tiver crescido. Não é justa?
L. A. – Nós precisamos respeitar o calendário e as instituições. Não é porque uma província se vê injustiçada que vamos mudar uma data sobre a qual já existe consenso. [Se querem alterações] que levem esse debate ao Congresso, vamos debater pelas vias legais.
As razões podem existir, mas estou convencido de que Camacho e seus apoiadores levantaram essa bola apenas para adiar sua prisão –e foi mais de um mês de greve, com instituições paradas, gente sem poder trabalhar, realizar trâmites. Não creio que esse seja o caminho.
A greve saiu do controle?
L. A. – Houve excessos, sim. Vandalismo, incêndio na sede de um banco. É um tema difícil no meu governo lidar com os chamados “cívicos”. Eu diria que tem sido minha principal dificuldade até aqui.A Amazônia certamente será um dos temas de sua conversa com Lula.
Como vê a entrada dele nesse debate?
L. A. – Concordo na questão da preservação, obviamente há um trabalho conjunto que deve ser realizado. Mas temos uma população grande que vive na região amazônica e que precisa ser atendida, portanto preservar e dar vida digna aos moradores são coisas que devem caminhar juntas. E isso é caro, há regiões onde há queimadas em que só podemos apagar de modo aéreo. Não temos esses recursos.
Mas também soube que Bolsonaro andou rejeitando ajudas de outros países. Devemos começar aceitando esses valores, para fazer com que a vida dessa população amazônica seja sustentável e digna. Não podemos pensar que um dinheiro que vem de fora é ingerência se somos nós mesmos que vamos administrar. Eu, no meu país, não posso fazer nada no qual não participe a população amazônica –e vou escutá-los, como já venho fazendo.
Raio-x | Luis Arce, 59
Formado em economia na Bolívia com mestrado no Reino Unido, trabalhou no Banco Central e deu aulas na Universidad Franz Tamayo. Foi professor convidado na Universidade de Buenos Aires, na Argentina, e em Harvard e Columbia, nos EUA. Ex-ministro da Economia no governo de Evo Morales, assumiu a Presidência pelo MAS em 2020.
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