Pesquisadores do CDMF são signatários da “Carta de Camboriú” sobre situação da pesquisa no Brasil
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Pesquisadores do CDMF são signatários da “Carta de Camboriú” sobre situação da pesquisa no Brasil
IDNews|Brasil| José Angelo Santilli
Documento foi proposto na reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais
IDN/Pesquisas
Diversos pesquisadores do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) aderiram à “Carta de Camboriú”, proposta pela diretoria e pelo conselho da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat) durante a XVIII Brazil MRS Meeting, realizada em Balneário Camboriú entre os dias 22 e 26 de setembro.
O documento aponta as preocupações dos membros da SBPMat e demais cientistas reunidos no evento em relação aos cortes nos recursos destinados à Ciência, alertando quanto ao impacto de tais cortes no desenvolvimento socioeconômico do País.
Confira o documento na íntegra:
“Carta de Camboriú”
Por ocasião do XVIII Encontro da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat), que reuniu cerca de 1800 pesquisadores do Brasil e mais de uma dezena de outros países, de 22 a 26 de setembro de 2019, em Balneário Camboriú, Santa Catarina, a diretoria e o conselho da SBPMat vêm a público manifestar sua preocupação com os cortes e contingenciamentos de verbas para a educação e pesquisa no Brasil. Se persistirem os cortes nas universidades públicas e em órgãos de financiamento à pesquisa e pós-graduação, como a CAPES, CNPq e Finep, o País estará fadado ao retrocesso em seu processo de desenvolvimento. Ressaltamos que a necessidade de contenção de gastos públicos devido à crise econômica não justifica os cortes em ciência e educação, pois esses cortes são muito maiores – em porcentagem – do que em outras áreas do governo.
Como a história do progresso de nações mostra, a prosperidade e o bem-estar da população têm relação direta com a capacidade de um país de gerar e absorver conhecimento. É inacreditável que no Século XXI ainda seja necessário justificar investimentos em pesquisa e geração de conhecimento. Principalmente em uma era de viagens espaciais, longevidade sem precedentes para a humanidade, e tecnologias como as dos telefones celulares que permitem comunicação que há algumas décadas estava apenas em livros de ficção científica.
Gostaríamos de nos dirigir à sociedade brasileira que paga impostos para manter o sistema de ciência, tecnologia e inovação do País. Com tantas notícias falsas espalhadas atualmente, podem surgir dúvidas sobre as intenções da comunidade acadêmica e universitária. Pode-se perguntar se um manifesto como este não é apenas uma defesa corporativista de uma elite que vê seus interesses afetados pelas políticas adotadas com cortes e contingenciamentos. Essa é uma pergunta legítima, mas que pode ser respondida com firmeza pela comunidade da SBPMat. Fazer ciência e desenvolver novas tecnologias pressupõe a busca da verdade, de maneira que não podemos nos furtar de alertar a sociedade brasileira sobre as consequências das atuais políticas de ataques às universidades públicas e cortes de investimentos.
Mesmo que as pessoas não percebam no dia-a-dia, sua vida é altamente dependente da tecnologia: para ter energia e comunicação através de telefones celulares, para acesso a tratamentos médicos, disponibilidade de água limpa e comida a preços acessíveis. São muitos os exemplos de tecnologia brasileira que beneficiam a população e a economia brasileira, como naqueles mais óbvios em que o Brasil tem liderança mundial: exploração de petróleo em águas profundas, agronegócio e produção de aviões de médio porte. Por outro lado, a existência de laboratórios e pessoal treinado, fruto do investimento em ciência e tecnologia de muitas décadas, permitiu que o Brasil rapidamente desvendasse os mecanismos de ação do vírus Zika, causador da microcefalia em bebês; graças a este conhecimento, o mesmo vírus traz esperança de tratamento para tumores do cérebro ainda hoje sem chances de cura. Mencione-se, também, a necessidade de formação de profissionais capacitados que possam servir a população, só realizável com um sistema universitário pujante e que inclui pesquisa.
A comunidade acadêmica precisa ter a responsabilidade de não ser alarmista. Entretanto, ela também tem o dever de alertar o povo brasileiro sobre alguns dos efeitos que a destruição de nosso sistema de ciência, tecnologia e inovação trará – inevitável se as políticas de cortes persistirem. No mundo todo, o maior aporte de recursos para ciência e tecnologia é realizado pelo Estado; empresas em geral respondem pelo custeio de pesquisas mais aplicadas, construídas a partir do conhecimento básico adquirido em estudos mais fundamentais. É importante lembrar que a destruição desse sistema pode ser muito mais rápida do que as décadas necessárias para construí-lo.
Queremos encerrar este manifesto com uma nota de esperança. Em uma das palestras no XVIII Encontro da SBPMat, foi apresentada uma das conquistas que orgulha a ciência brasileira: o acelerador de partículas Sirius, instalado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, em Campinas. Construído com 85% de tecnologia nacional, o Sirius está entre os mais avançados do mundo, e pode permitir geração de conhecimento essencial para muitas áreas estratégicas para a economia brasileira. A criação do Sirius é mais uma demonstração da capacidade da comunidade científica brasileira, que esperamos possa continuar seu trabalho. Isso só será possível, entretanto, se houver uma mudança nas políticas para educação e pesquisa no Brasil.
Balneário Camboriú, 25 de setembro de 2019.
A publicação original está disponível AQUI
CDMF
O CDMF é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e recebe também investimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a partir do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais em Nanotecnologia (INCTMN).
Foto: Divulgação/CDMF
Legenda: Na tarde de 25 de setembro, participantes do evento aderiram a um manifesto em favor da pesquisa e das universidades, o qual consistiu em uma foto em frente ao palco principal, com os telões exibindo a frase “Em Defesa da Ciência e da Universidade Pública”.