Secretário da Saúde mostrou descaso ao rejeitar diretriz anticloroquina, diz recurso
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Os textos que contraindicavam o kit Covid foram aprovados em junho e dezembro de 2021 pela Conitec, mas a publicação das diretrizes estava sendo postergados por Angotti
Um recurso apresentado ao Ministério da Saúde afirma que houve descaso do secretário de Ciência e Tecnologia da pasta, Hélio Angotti, ao rejeitar diretriz de tratamento da Covid-19 elaborada por especialistas. O texto recusado era contrário ao uso de medicamentos do kit Covid, como a hidroxicloroquina.
Assinado por Carlos Carvalho, médico e professor da USP que coordenou o grupo de especialistas que elaborou a diretriz, o recurso pede para a pasta rever a decisão e aceitar as orientações sobre o combate à pandemia.
Carvalho afirma que o secretário mostrou “descaso com o cenário pressuroso da pandemia” ao levar seis meses para se manifestar sobre parte da diretriz, que aborda o tratamento hospitalar da Covid e havia sido aprovada por unanimidade pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS).
O recurso, apresentado na sexta-feira (5), será avaliado por Angotti e depois, se houver nova contestação, pelo ministro Marcelo Queiroga.
Procurado, o Ministério da Saúde não havia respondido até a publicação da reportagem. Mais cedo, nesta segunda-feira (7), Queiroga comentou o recurso.
“Na hora em que o recurso chegar para mim, o secretário tem prazo de cinco dias [para responder]. Se ele acatar, assunto encerrado. Se não, sobe ao ministro e o ministro vai julgar”, disse Queiroga a jornalista.
Além desse texto, Angotti rejeitou, no fim de janeiro, outras duas orientações de tratamento hospitalar e outra sobre os cuidados ambulatoriais de pacientes. A última, aprovada na Conitec por 7 a 6, também rejeitava o uso da hidroxicloroquina, entre outros fármacos sem eficácia para a Covid.
No recurso, Carvalho também afirma que Angotti usou argumento calunioso e utópico para apontar “conflito de interesse de ordem ideológica” de entidades que atuaram na elaboração do parecer.
O documento disse ainda que os temas “autonomia médica” e “uso off-label [aplicação de medicamentos fora da indicação da bula]” foram citados por Angotti de forma requentada e a partir de discurso do CFM (Conselho Federal de Medicina). O conselho se alinhou à pauta bolsonarista na pandemia e deu aval para médicos usarem medicamentos sem eficácia.
Carvalho afirma que o próprio CFM reconhece em processos que “autonomia médica, por ser subordinada a protocolos científicos, tem limites condicionados a escolas, a métodos e experimentações prévias e nunca pode ser entendida como liberdade profissional irrestrita”.
“Portanto, o princípio da autonomia médica não se justifica como prerrogativa de excepcionalidade na situação de prescrição de medicações já extensamente demonstradas como ineficazes, como quer fazer crer o secretário”, afirma o professor, no recurso.
O mesmo documento afirma que Angotti infringiu o Código de Ética do Servidor Público, pois retardou por mais de seis meses a publicação no Diário Oficial de pareceres que haviam sido aprovados na Conitec.
“E mesmo tendo percebido que surgiram novos artigos científicos que poderiam gerar atualizações importantes, não pediu qualquer revisão do documento aprovado”, afirmou Carvalho.
O recurso aponta que a demora na publicação impediu atualizações do documento, e que Angotti usou o atraso de algumas informações como argumento para vetar o texto.
O Comitê Extraordinário de Monitoramento da Covid-19 da Associação Médica Brasileira divulgou uma nota em apoio ao recurso de Carvalho.
Segundo o comitê, os pareceres técnicos rejeitados resultaram de árduo trabalho elaborado ao longo de meses por um grupo constituído a convite do próprio Ministério da Saúde, composto por notáveis cientistas, médicos, professores universitários e pesquisadores de diversas instituições e de sociedades médicas do Brasil.
“O CEM COVID_AMB reitera apoio irrestrito ao recurso impetrado pelo Prof. Carlos Carvalho e ao parecer “Diretrizes Brasileiras para o Tratamento Medicamentoso Ambulatorial e Hospitalar do Paciente com Covid-19″ por avaliar que o veto do secretário da SCTIE/MS aparenta ser gesto arbitrário e unilateral que constitui grave desserviço ao enfrentamento assertivo da Pandemia Covid no Brasil”, disse o comitê em nota.
O Ministério da Saúde barrou a publicação da diretriz para tratamento de pacientes com Covid-19 elaborada por grupo de especialistas que contraindicava o uso de kit Covid no SUS em 21 de janeiro.
A Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou a convocação de Angotti e Queiroga para explicarem a rejeição das diretrizes.
O texto havia sido aprovado pela Conitec, apesar de tentativas da ala pró-cloroquina do governo de boicotar a discussão.
Os textos que contraindicavam o kit Covid foram aprovados em junho e dezembro de 2021 pela Conitec, mas a publicação das diretrizes estava sendo postergados por Angotti.
Enquanto Angotti terá cinco dias para apresentar nova resposta sobre os pareceres após o recurso, em última instância, e sem prazo de resposta, o ministro Queiroga decide sobre a publicação ou não das diretrizes.
Além do recurso apresentado, o MPF (Ministério Público Federal) recomendou a revogação da nota de Angotti. Segundo o órgão, a normativa contraria temas já pacificados pela comunidade científica.
A Procuradoria da República no Distrito Federal pediu ainda que o secretário publique as diretrizes aprovadas. O governo tem dez dias para se posicionar sobre o assunto.
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