Só 10% dos policiais brasileiros são favoráveis à liberação de armas
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Só 10% dos policiais brasileiros são favoráveis à liberação de armas
Sobre a pandemia, 63% acreditam no ‘kit Covid’
Uma das principais bandeiras do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na segurança pública, a liberação ampla de armas não encontra eco nos policiais brasileiros. Só 10% são favoráveis a armar a população, enquanto 16% defendem a proibição total de civis andarem armados. A maioria (74%) acha que o uso deve ser permitido, mas com níveis de restrições.
Outros discursos bolsonaristas, no entanto, convergem com a visão majoritária das corporações. Um exemplo é a crença em remédios ineficazes contra a Covid, como a cloroquina, a azitromicina e a ivermectina. Entre os policiais, 63% dizem que esses medicamentos são uma medida de prevenção da doença -na Polícia Militar, o número chega a 72%.
Ao menos 2,1% dos policiais chegaram inclusive a receber o “kit Covid” da corporação. O percentual chega a 3% na PM e 5% entre os bombeiros.
Os dados são parte do “mapa das polícias”, feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a partir de um levantamento inédito sobre efetivo e carreira policial nos Portais da Transparência e de uma pesquisa realizada com profissionais da área em maio deste ano.
O estudo, parte da 15ª edição do anuário de segurança pública, foi divulgado nesta quinta-feira (15), e mostra que quase um terço dos policiais testou positivo para a Covid em 2020 e 85% dos agentes afirmaram ter medo de ser infectados pelo coronavírus durante o trabalho.
Metade dos policiais acredita que o governo federal está realizando ações para auxiliá-los na pandemia –número que cresce para 57% entre os PMs e diminui entre os policiais civis (32%).
É menos do que aqueles que acreditam que é o governo estadual que está ajudando a polícia a lidar com o vírus (43%).
“Quem defende o liberou geral nas armas é também mais favorável ao governo federal”, afirma Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e responsável pelo estudo. “O negacionismo e os discursos de Bolsonaro durante a pandemia influenciaram parcela significativa dos policiais.”
Um exemplo disso, segundo o pesquisador, é que os policiais até se dizem confortáveis em pedir para as pessoas colocarem a máscara (63%), em realizar operações em festas clandestinas (43,5%), em dispersar aglomerações (46%), mas se sentem desconfortáveis em fechar comércios e serviços abertos irregularmente (52,5%).
A maioria dos policiais se diz contra a diminuição do horário do comércio (56%), o fechamento de bares e restaurantes (60%), o fechamento das igrejas (57%), e 45% discorda do fechamento das escolas.
QUANTO GANHA O POLICIAL?
O estudo também faz um retrato das estruturas de carreiras, cargos e salários dos 686.733 policiais federais, rodoviários federais, civis, penais e militares, e os bombeiros.
Os únicos estados em que não foi possível levantar dados foram a Bahia, que não disponibiliza as informações desagregadas por servidor, e o Rio de Janeiro, em que devem ser consultadas pessoa a pessoa, não havendo uma base unificada de servidores.
Uma das principais promessas de Bolsonaro e cobrança das corporações é o aumento dos salários. Mas os policiais brasileiros ganham bem ou mal? Eles têm um plano de carreira justo? A forma como as corporações se organizam são as mais eficientes para a segurança pública?
O documento dá algumas pistas. A principal delas está na distância entre o menor e o maior salário, que chega a 15,9 vezes de diferença.
Na comparação com outros países, em dólar, fica ainda mais evidente a discrepância. Na Alemanha, a amplitude média é de 1,4 vezes. Na França, 4,4 vezes.
No Brasil, a média de remuneração dos policiais e bombeiros é de R$ 5.686 -valor 2,5 vezes o rendimento médio do trabalhador brasileiro.
Mas 5.002 profissionais da segurança, ou 1%, receberam mais do que o pago para as carreiras típicas de Estado, como um diplomata ou um promotor.
Alguns chegam a ganhar mais que um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal): 631 profissionais têm salários maiores que R$ 39.200, a maioria em Goiás, mas também no Amazonas, Minas Gerais e Pará.
Ou seja, o policial não está entre as categorias pior remuneradas do país, mas não é um marajá, diz Renato Sérgio de Lima. No entanto, há distorções que precisam ser corrigidas.
“Qual estímulo do soldado, cabo ou sargento, para ir para rua, matar e morrer, subir e descer morro, sabendo que o chefe dele ganhou 16 vezes mais? Em termos de gestão e valorização profissional, nada justifica esse nível de amplitude”, afirma.
Há ainda grande desigualdade de gênero. Entre o total de subtenentes da PM do Pará, por exemplo, homens recebem duas vezes mais do que mulheres. Já em nove estados não foi encontrada nenhuma mulher no posto máximo de Coronel da PM (AM, AP, ES, MG, PB, PI, PR, SC, e SE).
Hoje, estão em tramitação propostas de Leis Orgânicas para regulamentar carreiras de 86 corporações policiais e dos 27 Corpos de Bombeiros, além do projeto de Reforma Administrativa no Congresso Nacional.
Mas não está no debate um modelo de organização de carreiras e salários que aproxime os extremos dos salários e permita que policiais e bombeiros sejam, efetivamente, tratados como integrantes de uma carreira de Estado, diz Sérgio de Lima.
A adoção de atalhos que vem sendo feita -como a promoção de soldados para cabos e sargentos– dificulta a disciplina e o controle da atividade policial, explica o pesquisador.
Na prática, as PMs, por exemplo, distribuem seus efetivos de forma pouco coerente com as funções reais de cada policial, principalmente entre os praças.
O estudo mostra que, no país, para cada sargento (posto de supervisão e fiscalização) existem 2,3 cabos e soldados (operacionais).
Nos estados de Tocantins, Acre, Rio Grande do Norte e Amazonas e no Distrito Federal existem mais sargentos do que soldados e cabos -ou seja, mais chefes do que chefiados.
Já em estados como Goiás, Rio de Janeiro, Sergipe, Mato Grosso, Paraíba, Rondônia, Amapá, Pará, Minas Gerais, Alagoas e Pernambuco a proporção é de 1 para 1, o que é igualmente incoerente.
“Quando tem muito sargento para pouco soldado, quem deveria supervisionar faz o trabalho ostensivo. Se em uma operação, um soldado comete uma irregularidade, quem controla, se o sargento não está supervisonando? Isso afeta a qualidade do policiamento”, afirma Sérgio de Lima.
Na Polícia Civil, o maior gargalo é no número de delegados, que é menor que o de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. As três carreiras são responsáveis pela investigação, denúncia e julgamento de ações penais.
“Qualquer inquérito precisa ser conduzido por um delegado. Como o país quer reduzir a impunidade se a porta de entrada da investigação está estrangulada?”, questiona o pesquisador.
Além disso, muitos policiais estão perto da aposentadoria e não há previsão de novos concursos, suficientes para repor os quadros. Em alguns estados, como São Paulo e Rio Grande do Sul, as despesas com policiais inativos já representam uma proporção maior do que o gasto com os ativos.
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