Tom Zé prepara novo disco e diz que governo Bolsonaro é analfabeto e ignorante
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O cantor e compositor baiano se prepara para gravar, a partir do próximo dia 1º, um novo álbum, em que se propõe a desvendar a formação do idioma falado por aqui
Tom Zé completa 85 anos nesta segunda-feira (11), mas é como se estivesse começando. Sempre com inúmeros projetos, conta que tem trabalhado muito, de segunda a segunda. Acompanha e aprecia o que é produzido pela nova geração da música brasileira e diz que hoje conhece o caminho que levou suas músicas aos mais jovens.
O cantor e compositor baiano se prepara para gravar, a partir do próximo dia 1º, um novo álbum, em que se propõe a desvendar a formação do idioma falado por aqui. “O disco vai se chamar ‘Língua Brasileira’, que é o nome de uma música que fiz muito tempo atrás. Nessa música tem versos muito lindos, os versos mais lindos que eu já fiz. Tem muita coisa sobre a história da língua portuguesa e, vindo para cá, a presença indígena, a presença negra”, conta o artista.
“Língua Brasileira” é uma faixa do disco “Imprensa Cantada” (2003). A canção inspirou o diretor Felipe Hirsch a criar uma peça homônima, com outras músicas encomendadas a Tom Zé, e que teria estreado em São Paulo em março de 2020 não fosse a pandemia de coronavírus. “Eu fiz várias músicas para a peça. Sempre orientado por ele [Hirsch], que é uma pessoa muito culta e generosa. Eu mandava as letras, às vezes ele fazia reparos, eu mudava.”
O espetáculo foi adiado, mas o trabalho continuou. Enquanto o musical não ganha os palcos, as letras criadas por Tom Zé se materializam agora nesse novo álbum, que será gravado pelo baiano com sua banda. Com produção de Daniel Ganjaman, a previsão é que o LP seja lançado em março de 2022. “Tem mais de um ano que eu estou fazendo esse disco. E eu trabalho sábado e domingo normalmente.”
O interesse de Tom Zé pela palavra não é novo e acompanha toda a sua trajetória. Não à toa, o artista ganha neste aniversário uma homenagem do Museu da Língua Portuguesa, que lança no YouTube o curta-documentário “Línguas em Trânsito: Tom Zé”, em que o músico relembra histórias de sua infância em Irará, na Bahia, e faz reflexões sobre as origens da canção brasileira.
Outro presente que o baiano recebe neste aniversário é o projeto “Uma Onda para Tom Zé”, com suas músicas regravadas por artistas de diversas gerações –Fernanda Takai e John Ulhoa, por exemplo, assumem “Se o Caso É Chorar”. Idealizado pela jornalista e radialista Patricia Palumbo, o projeto será lançado nesta segunda (11) nas plataformas digitais.
Aos 85 anos, o intercâmbio de Tom Zé com a juventude segue intenso. Ele, que já fez parcerias com nomes como Emicida, Tim Bernardes, Mallu Magalhães e Criolo, vê com entusiasmo a produção da nova geração de artistas. “Eu amo os músicos que hoje em dia fazem a música brasileira. Eu ouço, gosto muito e acho que é digna da música brasileira do tempo do tropicalismo”, afirma o tropicalista.
E diz que já compreendeu qual é o “mecanismo” que o leva ao público jovem: os shows que fez durante toda a carreira nas universidades, principalmente na USP e na PUC. A cada vez que apresentava suas músicas aos calouros, aos jovens que começavam a vida universitária e que até então não o conheciam, conquistava novos ouvintes.
“Descobri que era assim que eu mudava de público todo ano. E meu público era sempre a juventude. Até hoje acontece um pouco isso”, conta. “A classe estudantil foi quem me manteve na música, mesmo no tempo em que as rádios me abandonaram [anos 1970 e 1980].”
Primeira biografia oficial do artista, “Tom Zé, o Último Tropicalista” (Edições Sesc) descreve bem o período em que o baiano ficou “jogado fora”, a ponto de pensar em deixar São Paulo e voltar para Irará. Escrito pelo italiano Pietro Scaramuzzo, o livro lançado em 2021 também traz detalhes do encontro com David Byrne, líder dos Talking Heads e pesquisador musical, que tirou Tom Zé do esquecimento, o apresentou para o mundo e o fez voltar a ser visto e ouvido no Brasil.
“Eu gostei muito, nossa senhora”, diz ele sobre sua biografia, sem deixar de exaltar o prefácio escrito por Byrne. “É um senhor luxo”, ri.
O baiano diz que prefere “fugir” do noticiário, mas costuma passar o olho nas primeiras páginas dos jornais. Sobre a atual situação política do Brasil, afirma que a destruição do meio ambiente lhe causa “comoção” e, sem pronunciar o nome do presidente Jair Bolsonaro, diz que o governo é analfabeto e ignorante.
“No mundo não há governo mais analfabeto. Nunca se viu nem se pensou que pudesse ter uma coisa dessa no mundo, o mundo está admirado”, afirma. “O próprio governo incentiva a mineração ilegal, que destrói rios e matas e leva doenças para os indígenas. Um governo ignorante. Imagine dizer que os índios são habitantes miseráveis de regiões ricas. Os indígenas não fazem exploração de rios porque a vida deles é uma vida que conserva a natureza”, continua.
“A cada ano temos um novo sinal de que a natureza já não suporta mais os maus-tratos que a civilização faz. Agora são essas poeiras aí, que afogam cidades inteiras. O ser humano está destruindo o planeta.”
Isolado em seu apartamento na zona oeste de São Paulo, com a mulher, Neusa, que é também sua empresária, Tom Zé diz que tem saudade dos shows – “não há quem não tenha”. Afirma, ainda, que a classe artística está “com a corda no pescoço”. “A gente precisa voltar a trabalhar. Eu tinha vários shows no ano passado, em vários países da Europa, e tudo foi cortado por causa da pandemia. Já tem conversa de viagem e tal, mas não tem nada certo ainda.”
O casal está vacinado contra a Covid-19 e agora espera o reforço da terceira dose, em novembro. “A Neusa é muito cuidadosa, me proíbe até de ir ao supermercado. Ela diz que eu abraço todo mundo, e agora não pode abraçar.”
Com uma rotina de acordar por volta das 4h da manhã –e dormir às 21h, exceto quando tem futebol na TV–, a celebração de mais um aniversário em meio à pandemia será tranquila, do jeito que gosta. “Vamos comemorar aqui nos abraçando de manhã cedo e tal, vivendo o dia normal de trabalho.”
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