UE cria mecanismos, e ultradireita não consegue ‘passar a boiada’ no continente
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Mesmo em países da Europa liderados pela extrema-direita, as pautas de preservação do meio ambiente são discutidas pelas populações
A ascensão da ultradireita na Europa incomoda defensores dos refugiados, da causa feminista, da comunidade LGBTQIA+ e da democracia. Mas, até onde especialistas avaliam, governos desse matiz no continente não ameaçam, ao menos por ora, os ambientalistas.
A razão passa pela consolidação do discurso pró-ambiental na cultura política europeia. Na Hungria, por exemplo, onde o premiê Viktor Orbán critica com frequência os planos verdes da União Europeia, 80% da população acreditam que a mudança climática e suas consequências sejam os maiores desafios para a humanidade, segundo o Banco Europeu de Investimentos (BEI).
Já na Itália, governada pela ultradireitista Giorgia Meloni, 88% da população encaram as mudanças climáticas e suas consequências como o maior desafio do século 21. Na Suécia, país onde a ultradireita apoia o governo, o número é de 75%.
Entre as nações da União Europeia governadas por esse grupo, apenas a Polônia tem taxas menores do que a média do bloco. Segundo o BEI, só 40% dos poloneses consideram que as mudanças climáticas já ameaçam o planeta.
A concepção dos poloneses, aliás, influencia a postura do governo sobre o tema. O PiS, partido de ultradireita que administra o país, é contra os prazos do bloco europeu para a transição energética. No ano passado, a queima de carvão representou 70% da geração de eletricidade do país -o maior índice em toda a Europa.
Apesar de retóricas negativas como a dos poloneses, a União Europeia conseguiu criar mecanismos que inibem a resistência às suas políticas verdes. Foi assim, por exemplo, quando o Tribunal de Justiça do bloco fixou multas à Polônia após o país se negar a fechar uma termelétrica a carvão na fronteira com a República Tcheca -a estrutura, segundo a UE, impacta negativamente o meio ambiente e a saúde pública.
A multa atingiu EUR 70 milhões (R$ 386 milhões) e só parou de crescer quando Varsóvia fechou um acordo com Praga, em fevereiro, para compensar danos causados anteriormente. O processo foi retirado da corte, mas até hoje Bruxelas desconta dos envios mensais as multas estipuladas pela Justiça.
Tais punições causariam ainda mais danos à economia húngara, muito mais frágil do que a polonesa. E Orbán sabe disso: apesar de criticar os prazos das políticas verdes da UE, seu governo tem seguido as posições pró-clima fixadas pelo bloco e, inclusive, feito parcerias sobre energia renovável com países de fora do grupo.
Fato é que Bruxelas já suspendeu EUR 13 bilhões (R$ 71,7 bilhões) de Budapeste por ações contra o Estado de Direito, e mais punições contribuiriam de vez para o enfraquecimento da economia húngara. “Eles nunca se dispuseram a bater o pé por muito tempo porque perceberam que perderiam muito dinheiro da União Europeia se fizessem isso”, diz Balsa Lubarda, pesquisador visitante da Universidade da Califórnia em Berkeley.
Segundo analistas, a fraca influência da ultradireita nas discussões ambientais do bloco tem raízes, justamente, no leque de bandeiras políticas do grupo. “Eles podem até fazer muito barulho, mas quando chegam ao governo focam apenas assuntos ligados à imigração e à segurança nacional”, diz Matthew Lockwood, professor de política energética da Universidade de Sussex, no Reino Unido, e autor de uma pesquisa que mede a influência da ultradireita em países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Foi o que ocorreu na Itália. Em outubro, as negociações entre líderes da ultradireita para efetivar Meloni no cargo de primeira-ministra se concentraram em segurança interna, economia e refugiados. A área de meio ambiente ficou com o Forza Italia, legenda de centro-direita da coligação. A insignificância do tema, aliás, foi escancarada ainda na primeira semana de Meloni no poder: na ocasião, ela errou o nome do próprio ministro do Meio Ambiente ao anunciar a composição de seu governo.
Ainda assim, a italiana foi à COP27, a conferência do clima organizada pela ONU em novembro, e garantiu que seu governo “continua fortemente convencido do compromisso com a descarbonização”. Sem dúvidas, um aceno à União Europeia.
“A Itália é uma economia muito importante para o bloco, mas a história italiana não é de ceticismo climático. Quando a Liga se aliou ao 5 Estrelas, por exemplo, ela não deixou de cumprir as políticas climáticas da UE porque o restante do governo não deixava”, lembra Eduardo Viola, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Analistas apontam, porém, que o comedimento da ultradireita sobre o tema se limita apenas àqueles partidos que conseguem chegar ao poder, independentemente se de forma majoritária ou minoritária. Uma pesquisa do Adelphi, think tank com sede em Berlim e com foco em meio ambiente, mostrou que 7 dos 21 partidos europeus de ultradireita negam as mudanças climáticas.
Além disso, ainda segundo o estudo, dois em cada três deputados de ultradireita do Parlamento Europeu votam regularmente contra políticas verdes. A pesquisa foi divulgada em 2019.
A Suécia talvez seja hoje o principal exemplo dessa incoerência política: em outubro, o partido de ultradireita Democratas Suecos fechou um acordo com os Moderados e confirmou sua participação no então novo governo de centro-direita do país. A legenda foi a única a se opor à ratificação do Acordo de Paris em 2016, mas seu apoio ao governo atual não deve interferir nas históricas políticas climáticas do país nórdico -Estocolmo, por exemplo, tem um dos mercados de carbono mais caros do planeta.
Poucos dias após a oficialização do governo sueco, a imprensa global repercutiu o fim do ministério do Meio Ambiente no país, apontando que tal decisão seria influência da ultradireita no governo.
Para Lubarda, porém, a extinção da pasta tem mais motivos práticos do que ideológicos. “A decisão de dissolver o ministério é emblemática porque mostra que energia é mais importante do que a proteção do meio ambiente neste momento. Por outro lado, é uma forma de o governo mostrar que está cortando os custos da administração; algo que também foi feito pelo Fidesz (partido de Viktor Orbán, na Hungria).
Seja como for, a atual crise energética desencadeada pela Guerra da Ucrânia pode servir de motor para a retórica política desses grupos. “O mais importante é saber como a Europa reagirá a isso nos próximos três ou quatro anos porque os partidos de ultradireita dizem que o continente precisa de mais carvão e gás, enquanto os verdes afirmar ser necessário acelerar as energias renováveis”, diz Lockwood.
O Reino Unido -que, apesar do Brexit, segue a linha ambientalista da UE- já deu seus sinais. No início de dezembro, o país aprovou sua primeira nova mina de carvão em décadas.
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